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Por que as crianças mentem?

Geralmente quando as crianças começam a mentir os pais costumam se preocupar e se perguntarem “o que é preciso fazer?”. Você sabia que aprender a mentir faz parte do desenvolvimento infantil? Você vai entender neste texto e ainda descobrir o que fazer nessas situações!

Você lembra quando foi sua primeira mentira? Percebe que não estou perguntando se você já mentiu, mas quando foi! Isto porque mentir faz parte do nosso hall de aprendizagens cognitivas e sociais, então muito provavelmente você já mentiu alguma vez na vida!

Para entender por que aprendemos a mentir e o que fazer para lidar com a mentira na infância, vamos passar pelos seguintes pontos:

– É realidade ou imaginação?

– Mentira faz parte do desenvolvimento humano.

– O que a mentira quer dizer?

– Como podemos lidar com a mentira para contribuir com o desenvolvimento das crianças?

É realidade ou imaginação?

Tem uma lembrança bastante óbvia, mas que sempre é pertinente fazermos: desde que nascemos estamos em processo de aprendizagem sobre tudo! Por exemplo, você sabia que quando nascemos não nos diferenciamos do outro? Isto quer dizer que no início da vida a criança não tem noção de que ela é uma pessoa e as outras pessoas são diferenciadas dela. Depois desse processo de aprendizagem ainda tem outra diferenciação significativa: a criança não diferencia seu mundo interior do mundo exterior.

Esta informação é extremamente importante para entendermos a mentira! Pensem comigo, se a criança mistura seus pensamentos, desejos e medos com a realidade, isso quer dizer que muitas vezes ela estará falando uma verdade sua, mas para os olhos do adulto, uma mentira.

Esse momento do desenvolvimento nos faz entender que muitas vezes a interpretação de que a criança está mentindo está nos ouvidos de nós, adultos. Quando na verdade ela está expressando sua capacidade de imaginação dizendo aquilo em que acredita, e não necessariamente o que observa, considerando ainda que sua percepção também está em desenvolvimento.

Além disto, a criança apresenta uma característica de raciocínio que se chama animismo, que significa dar vida a objetos concretos e inanimados, como dizer que “a nuvem chorou” ou “que foi a sua boneca que quebrou a xícara do papai”. Através do animismo a criança pode justificar as mais diversas situações que a rodeia (link Giulia Soncini Jujuba 1 ano quem riscou a parede Papai Noel.wmv – YouTube).

É entre os 3 e os 5 anos de idade que os sonhos também aumentam consideravelmente, o que também passa a fazer parte da confusão entre imaginação e realidade. Também os amigos imaginários estão presentes no dia a dia e passam a ser tão importantes como todas as outras imaginações, pois fazem parte da sua realidade interna.

Além disso, lembra que ela não diferencia o mundo interno do mundo externo? Então, ela também ainda não compreendeu que as pessoas pensam diferente dela, não possuem a teoria da mente desenvolvida, que é a compreensão de que o outro pensa, tem desejos e opiniões diferentes da sua. Então ela não está tentando provar ou testar suas opiniões com o outro, afinal todos pensam como ela!

Somente a partir dos 5 anos, a criança começa a distinguir imaginação de realidade, a partir dos 6, brincar com fantasia e situações imaginárias de forma consciente e, portanto, somente a partir dos 7 anos a mentira passa a ser algo diretamente intencional.

Imagino que aqui você já deve estar entendendo a mentira na primeira infância com outros olhos, não é mesmo? Vamos seguir nossa compreensão sobre o desenvolvimento humano.

Mentira faz parte do desenvolvimento humano

Seguindo nossa conversa pelo desenvolvimento infantil, sabemos que suas noções estão sendo formadas, como noção de empatia, noções morais do que é certo e errado, inclusive sobre o que de fato é uma mentira.

Nesta mesma linha de raciocínio conseguimos entender que até mesmo a gravidade de uma mentira para uma criança é diferente da nossa, que já temos as noções básicas desenvolvidas, por exemplo. Para uma criança pode ser muito mais grave dizer que viu um dinossauro andando na rua, quando na verdade era um cachorro, do que contar que tirou uma nota alta quando na verdade era uma nota baixa. Então, sua lógica de pensamento é diferente!

Para que a criança fale uma mentira intencional, diversos processos em desenvolvimento estão sendo colocados em prática: controle inibitório, o raciocínio lógico dedutivo, a compreensão da teoria da mente, memória para sustentar a mentira, tentativa de independência e autonomia, ampliando a sensação de empoderamento de que pode conseguir enganar alguém.

Em pesquisa (link: Correlações Sociais e Cognitivas do Comportamento Mentiroso das Crianças (nih.gov)) realizada sobre a mentira na infância com crianças entre 3 e 8 anos de idade, reconheceu-se que quanto mais velha a criança sua compreensão moral era mais desenvolvida e portanto a criança conseguia relativizar as regras morais e mentir com maior precisão. Crianças a partir dos 10 anos tendem a ter uma consciência do que é moralmente correto, sendo que as crianças mais pequenas dispersam, resultando num discurso mais incoerente quando confrontadas com determinada atitude.

Podemos compreender o quanto aprender a mentir faz parte do processo de desenvolvimento, não é mesmo? Afinal, a criança está colocando em prática diversos amadurecimentos cognitivos, sociais e afetivos. A mentira é uma descoberta estratégica a partir do que a criança vai conquistando em si. Mas, isso quer dizer que podemos parar nossa compreensão por aqui? Não! Vamos seguir compreendendo outros aspectos da mentira na infância!

O que a mentira quer dizer?

Mesmo sendo uma das nossas aprendizagens, cabe perguntar: por que a criança está precisando usar esse recurso?

A mentira pode querer dizer muitas coisas, vamos passar por algumas delas:

É muito importante lembrar que a criança também aprende por processos de imitação das suas pessoas de referência. O que pode nos chamar atenção sobre qual referência estamos passando para as crianças!

Outra possibilidade relevante é de que a criança não tem todos os recursos sociais e afetivos desenvolvidos, por isso ela pode usar a mentira como estratégia para: algum ganho pessoal, como forma de ganhar afeto (atenção, elogio, carinho, respeito) ou, ainda, como forma de lidar com seus erros e, assim, buscar uma avaliação positiva das suas pessoas de referência.

Esses pontos são fundamentais para compreender porque a criança está se sentindo ameaçada afetivamente na relação de alguma forma. Lembre-se que ela está aprendendo a viver e a se relacionar e, muitas vezes, a ameaça pode vir da fantasia criada por ela mesma e alimentada pelo medo de perder seu afeto. Então, apesar da mentira ser uma habilidade do processo de aprendizagem social, esse momento do desenvolvimento pode existir para ampliar a confiança relacional que existe entre vocês.

Como podemos lidar com a mentira para contribuir com o desenvolvimento?

Estamos bastante localizados sobre a mentira no mundo infantil, não é?

Agora chegou a hora de pensarmos em nós, como adultos, como lidamos com as crianças e suas mentiras. Um dos pontos mais importantes para entendermos como lidar com a mentira das crianças, é sabermos onde a mentira nos atinge! Isto mesmo, somos adultos, mas temos nossas características, nossos traumas, nossas histórias… Então a primeira pergunta para você refletir é: como você se sente quando uma criança mente para você? As suas respostas podem ajudá-lo a entender o que é seu e o que é da criança.

A segunda pergunta de reflexão é: a criança que está perto de você pode te contar a verdade, confiando que vocês lidarão com isso juntas sem ela se sentir ameaçada?

Depois destas duas grandes reflexões sobre você podemos ir para alguns pontos para entender o que fazer para ajudar essa criança que está mentindo:

Compreender o jeito de pensar da criança: lembre-se, a criança está em desenvolvimento, o que passa no seu pensamento não é o mesmo que passa no nosso, procure considerar isso e compreender o máximo possível, seja conversando ou brincando com ela. Lembrando que na primeira infância ela pode estar apenas imaginando e expressando seu mundo interior.

Lidar com tranquilidade e calma: a criança fica nervosa ou pode ficar dependendo do jeito que você lidar, dificultando para ela admitir e ter alguma aprendizagem nesse processo.

Ensinar que mentira não é a saída para as situações: lembra que a criança aprende por imitação? Para ensiná-la a dizer a verdade, você precisará dizer a verdade e ajudar ela a lidar com as verdades e consequências das situações.

Mostre que você sabe quando ela mente e portanto não crie conversa indireta: fale direta e abertamente sobre o assunto, não crie armadilhas para a criança cair, por exemplo, perguntar sobre algo o qual já sabe a resposta: você fez tal coisa? Troque por: vi que você fez tal coisa, como isso aconteceu?

Construção de uma relação de confiança reconhecendo que está em um ambiente seguro: Quando a criança falar a verdade, lide com ela e a ensine a lidar com as situações, afinal você está ensinando a conviver com a verdade. Além disso, fale dos seus sentimentos por ela, que não irão mudar, seu sentimento de amor não mudará independente do que ela fizer ou contar.

Cuidar com os limites: é importante considerar que as crianças podem querer ter seus segredos, e respeitar sua intimidade faz parte do processo de aprendizagem para que ela desenvolva relações saudáveis.

Sabemos o quanto é desafiador participar do processo de desenvolvimento de uma pessoa tão singular, e ainda fazer essas distinções do processo de aprendizagem dos nossos filhos, por isso não hesite em buscar ajuda caso tenha dúvidas ou angústias. Lembre-se de que você não precisa passar pelos desafios do desenvolvimento infantil sozinho. Uma consulta de orientação a pais ou ainda um processo de atendimento psicológico infantil pode ajudar nessa caminhada. Clique aqui e converse com uma das nossas profissionais para entender qual serviço pode ajudá-lo.

Doralina Enge Marcon

Doralina Enge Marcon

Psicóloga, CRP 12/10882

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