Se eu te perguntar quais são os teus planos para a aposentadoria, o que te vem em mente? No meu imaginário veio uma cena, em um lugar lindo, gostoso, sentada com os pés para cima curtindo a vista. Não sei qual foi a sua, mas muitas pessoas tem essa expectativa de paz, de não ter mais incomodação e descansar. Pois é, mas não é bem assim que acontece. Depois de um tempo, de passar aquela sensação de “férias” é possível que você encontre inquietações e até mesmo uma falta de rumo na vida, afinal, você sempre fez o que fez, e isso por muito tempo foi o norteador da sua vida. É comum sentir-se perdido quando de repente você não tem a sua maior ocupação e tem tempo e possibilidade de decidir pelo seu dia. Vamos buscar formas de lidar com esse momento?
Bem, se você está prestes a se aposentar, ou já está aposentado, ou ainda, possui um interesse sobre o assunto, te convido para continuar essa leitura. Para a construção da nossa conversa vamos passar pelos seguintes tópicos:
- Qual a nossa relação com o trabalho?
- Momento de intensas mudanças
- Formas de se preparar para a aposentadoria
1. Qual a nossa relação com o trabalho?
Para pensar na aposentadoria é importante reconhecer a importância do trabalho e o quanto nos dedicamos a ele, já que é algo central em nossas vidas. Os dados do IBGE (2014/2015) mostram que a média de carga horária de trabalho no Brasil é de 40 a 44 horas semanais. Hoje temos diferentes configurações de vínculos e possibilidades de flexibilização do horário de trabalho, mas de um modo geral, dedicamos uma boa parte do nosso tempo. Há uma relação significativa com o trabalho e a relação com o mesmo suscita diversos sentimentos e sensações.
Por um lado, é um contexto comum de reclamações e críticas, e por outro é também uma das nossas principais fontes de relações sociais e satisfação. É algo que demarca uma parte de quem somos, que está geralmente relacionado com as nossas características. Quando conseguimos reconhecer o valor sobre o que fazemos, o trabalho é também uma importante fonte de realização pessoal. Ou ao contrário, quando não nos identificamos com as nossas atividades, deparamo-nos com a frustração, que em diferentes níveis e contextos pode afetar a saúde mental.
É muito comum também associar o nosso valor pessoal a resultados. Quando fazemos essa associação entre o nosso valor pessoal e o produto do que fazemos, ficamos condicionados aos fatores externos e isso pode ser difícil de administrar. Pois a diminuição do rendimento pode levar à sensação de se sentir com menos valor, diminuindo nossa autoestima, ficamos assim vulneráveis a aspectos que no fim não estão realmente relacionados com a gente. Nessas horas acabamos por esquecer que é natural que com o passar do tempo e com o processo de envelhecimento vamos diminuindo o nosso ritmo sobre as coisas e consequentemente o rendimento e produção.
Por isso, encontrar o nosso sentido pessoal é essencial, não apenas pensando na aposentadoria, mas para poder viver o momento com mais qualidade. Quando nos conhecemos e reconhecemos a nossa potencialidade podemos nos adaptar às condições externas e transformar a relação com as nossas atividades de forma realizadora. Inclusive quando estamos em tempo de se aposentar e reinventar na vida, sem essas funções que tanto nos dedicamos.
Mas afinal o que estou querendo dizer com “sentido pessoal”? É quando reconhecemos em nós e nossas características a nossa potência e desenvolvemos a melhor forma possível para lidar com o momento. Há fases que o nosso melhor nos satisfaz e outras que sabemos que podemos ser diferentes, mas isso não desvalida o esforço e o que foi possível de alcançar.
De todo modo, amando ou não a nossa profissão, a aposentadoria é um momento esperado e desejado, às vezes também temido e na maioria das vezes as pessoas não se preparam para ele. São pegos de surpresa ao entrar em um momento de luto e tristeza, sobre o qual conversaremos a seguir. Ah, você deve estar pensando: mas eu nem gosto do meu trabalho, não vou sentir falta! Pois é, o simples fato de haver uma mudança e o fim de um ciclo, provoca um processo de despedida que, no geral, desperta sensações. Vamos pensar sobre isso no próximo tópico.
2. Momento de intensas mudanças
Bem, como vimos, a presença do trabalho é significativa, seja os efeitos que sentimos como positivos ou negativos, no geral é a atividade do nosso dia que mais demanda do nosso tempo. Mesmo atualmente que há mais formas e outros tipos de relação de trabalho, mesmo aqueles que possuem maior autonomia sobre o seu tempo, a maioria das pessoas se dedica muito. O que quero dizer com isso. Que haverá um impacto na sua rotina com a saída do trabalho para a aposentadoria, você gostando do seu trabalho ou não.
É comum que nos primeiros meses predomine a sensação gostosa de férias, de realização, felicidade. No entanto, com o tempo começa a se dar conta do fim de uma etapa da vida e da necessidade de se reorganizar em uma nova rotina. Esse momento pode contar com uma fase de crise e um processo de luto pela mudança significativa. É o fechamento de uma etapa de vida para o iniciar de uma nova fase. Nessas horas é muito comum sentir tristeza, saudade, e às vezes até um arrependimento, se questionando se teria sido cedo demais. Muitos compartilham da sensação de se sentirem perdidos e desorientados, pois a forma que tinha antes estava com um significado e um sentido, e agora será necessário criar novas formas e novos sentidos para a sua vida e para o olhar que você tem sobre si mesmo.
Outro ponto que geralmente gera um impacto é o fato de que a aposentadoria demarca o envelhecimento. Se não houver algum problema anterior de saúde que gere a aposentadoria por impossibilidade de continuar trabalhando, todas as outras formas estão relacionadas ao tempo. E a maioria das pessoas vivem a vida como se o envelhecimento não acontecesse. Por isso é tão comum a sensação de que fomos pegos de surpresa e de se sentir perdidos, pois não percebemos o passar do tempo e as mudanças que surgem com isso. Bem, perceba que estou falando a todo momento sobre a importância de estarmos atentos e presentes para que os detalhes da vida e de quem somos não nos passem despercebidos, pois assim vamos “amortecendo” os impactos naturais que chegam com o passar do tempo.
3. Formas de contribuir para a aposentadoria
Você deve ter visto que estou falando o tempo todo de trabalho para chegar na aposentadoria, não é mesmo? Estamos fazendo esse caminho para que você comece a pensar qual o tamanho da presença do trabalho na sua vida? O quanto será necessário adaptar quando chegar a aposentadoria? Veja bem, começar a se conectar com essas reflexões é uma importante forma de construir o seu processo para a aposentadoria.
Há um tempo a aposentadoria chegava no fim da vida, já com um processo de envelhecimento mais avançado, e com menos possibilidades ao redor. Agora estamos numa fase em que as pessoas se aposentam com vitalidade. Com energia e vontade de fazer as coisas. Além disso, no geral, as coisas estão mais acessíveis: viajar, conhecer coisas novas, novos tipos de lazer, esportes, acesso a filmes, etc. Conhecer a si mesmo para além do trabalho é essencial. Você já parou para pensar quais são as atividades que você gosta de fazer ou que despertam um interesse? O que te traz realização? O que você não gosta e por quê? Nossa, quantas perguntas! Você já havia se feito elas?
Permitir se conhecer é um caminho para identificar suas áreas de potência, suas dificuldades e ver formas de lidar com elas. Começar a se visualizar e a projetar suas ideias para a aposentadoria vai contribuir para diminuir o impacto desse momento. Conhecer a sua relação com o trabalho, a si mesmo e a sua condição ao seu redor permite explorar a vida de uma forma mais intensa e realizadora e inclusive permite ressignificar a sua relação com ele. Buscar também relações e trocas de crescimento, ter um dia a dia mais significativo, com prazer.
Enfim, são muitas possibilidades de explorar a si mesmo e construir novas formas e caminhos. Espero que esse blog possa ter contribuído para você construir a sua nova rota!! E como toda fase de mudança, essa pode gerar aspectos emocionais dos quais você não precisa lidar sozinho. Se quiser alguém ao seu lado durante este processo, clique aqui e converse com uma das nossas psicólogas.
Bibliografia consultada
ROGERS, C. Crescer envelhecendo ou envelhecer crescendo? In: ROGERS, C. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983.
ZANELLI, C. J.; NARBAL, S.; SOARES, D. H. P. Orientação para aposentadoria nas organizações de trabalho: Construção de projetos para o pós-carreira. Porto Alegre: Artmed. 2010.