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Questões emocionais de quem foi adotado(a)

Há ao menos um ponto em comum entre as pessoas adotadas: a adoção sempre vai fazer parte da sua história de alguma forma! E este é um dos poucos pontos iguais entre as pessoas adotadas, já que a adoção é uma experiência profundamente diferente na história de vida e na construção da identidade de cada uma das pessoas.

A adoção pode acontecer nos primeiros meses, na infância, na adolescência; pode acontecer em famílias de diversas constituições: pai e mãe, pai ou mãe solo, dois pais, duas mães, entre outras; pode conectar deferentes realidades étnico-raciais, socioeconômicas, de saúde mental, entre outras. Nitidamente, são muitas desigualdades, tabus, distorções e preconceitos enraizados de forma estrutural na nossa construção social. É uma realidade tão diversa, que como diria Bordieu (1996), a ideia de família nuclear pode ser considerada até uma “ficção social”.

Vamos então tentar conectar informações e conhecimentos sobre esse tema, aproveitando o documentário FOUND (ENCONTRADAS), como ilustração de reflexões que considero fundamentais quando o assunto é adoção e construção de identidade. E se você ainda não assistiu a este documentário, não se preocupe, a seguir você vai encontrar um resumo:

FOUND (ENCONTRADAS): que história é essa?

O documentário de 2021, dirigido por Amanda Lipitz, está disponível no streaming Netflix, e apresenta a história de três adolescentes: Sadie, Lily e Chloe, que nasceram na China, mas foram adotadas por três famílias estadunidenses diferentes. Elas se conhecem nas redes sociais e descobrem através de estudos genéticos que são primas da mesma família biológica, embora não saibam quem são seus pais. As três sofreram as consequências da política de controle de natalidade da China em vigor de 1979 a 2015, que só permitia um filho por família com o intuito de controle do crescimento populacional. Neste período muitas crianças, como elas, foram levadas à orfanatos e entregues para adoção internacional.

No filme, as três partem em busca de conexões culturais, relacionais e históricas que contribuam para a construção e compreensão das suas identidades. Elas, assim como suas famílias, vivem experiências emocionalmente intensas e conexões relacionais impactantes em uma viagem à China, aos lugares que fazem parte da sua história de origem, anterior ao processo de adoção.

O documentário retrata também o trabalho de busca de uma pesquisadora etnográfica sendo atravessado pelas questões de gênero, preconceito étnico-racial, desigualdade social e processos de saúde mental das adolescentes. Além disso, mostra também o sofrimento das famílias de origem que precisaram entregar suas filhas para adoção, anos atrás. E já deve ter dado para perceber, mas não custa reafirmar: se você costuma se emocionar com filmes, prepare sua caixinha de lenços!

O direito de conhecer sua origem.

A busca das três adolescentes pelas suas histórias traz à tona a questão do direito de todos terem acesso ao conhecimento das suas origens. Você já deve ter ouvido falar em algum momento que seria possível poupar o sofrimento da pessoa adotada omitindo seu histórico de origem. No entanto, atualmente esta é considerada internacionalmente uma questão de direitos humanos e tornou-se um tema central de discussões nos grupos de apoio à adoção. Há um consenso sobre os benefícios para o desenvolvimento humano quando a pessoa adotada sabe do seu processo de adoção.

No Brasil, desde o ano de 2009 com a Lei 12.010, conhecida como a Lei da Adoção, está garantido o direito de todas as pessoas de conhecerem suas origens, tendo acesso aos seus documentos do processo de adoção. Esta é uma conquista muito importante, embora seja recente em nossa história e encontre muitos limites por falta de registro documental adequado e diversos outros entraves legais e processuais como adoções ilegais.

Na prática, isso quer dizer que pessoas adotadas, quando e, se, quiserem, tem o direito de buscar as informações que existem sobre sua história de origem. E sobre isso, há muitas questões para se refletir, veja algumas delas:

  1. Escolher buscar as informações de origem, não garante que elas serão encontradas. Então é recomendado que a pessoa conte com uma rede de apoio e sempre que possível, acompanhamento psicológico, para ajudar a conviver com as expectativas e frustrações envolvidas no processo de procura.
  2. As realidades de origem, muitas vezes, envolvem questões de violência e negligência, por exemplo. Fatores que podem gerar gatilhos emocionais, além de trazer dificuldades, ou mesmo impossibilitar a construção de conexões relacionais.
  3. O movimento de busca de informações de origem pode impactar também a família atual que pode sentir insegurança e medo de perder os laços construídos. Estas questões emocionais e relacionais podem dificultar a escolha de buscar ou não as informações.

Estas são apenas algumas das questões que podem passar pelos pensamentos e sentimentos de quem vive a adoção e cogita conhecer sua origem, há muitos outros. Mas, para lidar com eles, o que já sabemos é que quando encontramos relações seguras para compartilhar o que sentimos e conseguimos nos expressar, encontramos mais possibilidades de elaborar os sentidos e os significados da nossa história. Por isso a importância de participar de grupos de apoio à adoção, como espaços de reflexão e desenvolvimento de recursos para interagir com as realidades do processo.

“Quem sou eu?” Uma identidade em construção

Em uma das cenas do documentário, a mãe de uma das adolescentes mostra as fotos dos ascendentes da sua família para a filha e o comentário dela é: “Não me sinto conectada a eles”. Não há representatividade naquelas fotos e não há experiências compartilhadas com ela, embora haja conexão com sua mãe. Essas sensações abrem espaço para refletirmos sobre aquele desejo de pertencer, de sentir que se faz parte.

A sensação de pertencimento é um dos elementos da construção da identidade de uma pessoa em seus diversos eixos. São aspectos culturais, étnico-raciais, socioeconômicos, religiosos, sexuais, de gênero, entre diversos outros, que vão se conectando em intersecções, de modo que a pessoa perceba e sinta, quem é no momento e a que grupos, pertence. Este processo se intensifica no período da adolescência, não é a toa que esta é a fase onde questionamos com maior frequência e intensidade as questões existenciais.

É o que acontece no documentário com Sadie, Lily e Chloe. Elas vão à China em busca dos elementos das suas identidades que fazem tanta falta. Elas conhecem lugares, pessoas, fatos sobre si mesmas que até então desconheciam. Mas a grande questão, é que assim como pertencem à alguns aspectos que vêm de sua origem chinesa, também pertencem às experiências e relações que construíram após a adoção nos Estados Unidos. Há um pertencimento parcial aos dois mundos. Pertencem aos dois mundos, mas integralmente pertencem à mundo nenhum! Esta é a realidade da vida das três, com todos os sentimentos ambíguos que estas identidades trazem.

Mas a mensagem mais impactante que o documentário proporciona é que entre elas há uma conexão e uma compreensão que apenas elas podem experimentar. Uma conexão que vai além das famílias de origem ou das famílias atuais: elas pertencem ao grupo de pessoas adotadas e podem ser uma rede de apoio umas para as outras.

Então se a adoção faz parte da sua vida de alguma forma, lembre-se que embora você seja uma pessoa única, com questões emocionais e uma história pessoal que só você viveu, ainda assim, você pertence a um grupo de pessoas. Procure grupos de apoio à adoção. Em relações como estas é possível construir sentidos capazes de reconfigurar os significados de uma história.

E saiba que se sentir que precisa de um espaço de acolhimento e reflexão terapêutica, pode contar com a nossa equipe. Se quiser conversar com uma das nossas psicólogas sobre como a Psicologia pode ajudar, clique aqui!

Obrigada pela sua leitura e interesse em nosso Blog!

Maira Flôr

Maira Flôr

Psicóloga, CRP 12/08932

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