“Sinto que sou uma prisioneira dos meus próprios pensamentos e rituais!” É desta maneira que se sentem muitas pessoas que vivem as características do Transtorno Obsessivo compulsivo (TOC).
Sabemos que existe uma longa pauta que discute a questão patologizante das ciências envolvidas na saúde mental, e esta é uma discussão importante. Mas, nesse texto, vamos nos ater ao que vivem as pessoas que vêem seus objetivos pessoais escorrerem entre os dedos a cada 20 vezes que lavam as mãos ou a cada atraso de 1 hora para uma reunião porque precisaram voltar do caminho 3 vezes para conferir se tinham desligado o ferro, a luz e se tinham trancado a porta. Perturbador e cansativo, não é? Então veja se estas perguntas lhe interessam:
- O que é o TOC?
- O que uma pessoa que vive a realidade do TOC sente e pensa?
- Como lidar com essas características no dia a dia?
Estas são as perguntas que vamos responder ao longo deste artigo. Acompanhe estas reflexões e veja se elas fazem sentido para você.
O que é o TOC?
Primeiramente, vamos nos localizar: por mais que você pense que poucas pessoas apresentam essas características no mundo, atenção! Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), O TOC está entre as 10 maiores causas de afastamento do trabalho no mundo. A questão é que, muitas vezes, as pessoas se sentem constrangidas e incompreendidas e tentam não revelar sua realidade chegando ao extremo do isolamento social.
Existem muitas características diferentes de TOC, a mais comum refere-se às pessoas que desenvolvem preocupação excessiva com contaminação e sujeira, e para lidar com suas aflições constroem rituais repetitivos de limpeza. Mas também podem fazer parte desta realidade a organização simétrica de objetos; checagem repetitiva, como verificar se fechou a torneira, desligou o fogo, entre outros; contagem de passos, carros pelos quais passou, palavras que leu, por exemplo; colecionamento de objetos inusitados e acumulações; evitação de contato com palavras ou cores que remetem à morte ou doenças como o roxo ou vermelho; além de lentidão ao executar tarefas por perfeccionismo ou medo de errar, entre muitos outros.
Estas características fazem parte de alterações de ansiedade, manifestam-se em todas as idades e podem se agravar gradualmente com o tempo. As pesquisas revelam estimulação excessiva das atividades de regiões cerebrais como o córtex pré-frontal. Por isso a indicação de acompanhamento conjunto entre Psiquiatria e Psicologia.
O que uma pessoa que vive a realidade do TOC sente e pensa?
Ok, até aqui já deu para perceber que as pessoas podem estar em sofrimento psicológico e que, portanto, é muito mais do que uma superstição como usar a mesma camisa no jogo do time preferido. Isso porque, no caso da superstição, você não sente que vai morrer ou que uma catástrofe vai acontecer caso você não siga o ritual.
Mas afinal, o que se passa dentro da pessoa que vive esta realidade? Como funcionam seus pensamentos e sentimentos?
Há uma alteração de base neurobiológica com pensamentos e comportamentos repetitivos, da seguinte forma: imagine que você tenha a sensação de que deixou o ferro ligado, por exemplo. Você começa a pensar que se o ferro estiver ligado, ele pode pegar fogo, queimar seu apartamento, todo o prédio, matar pessoas e os pensamentos não param por aí, encadeiam-se em ciclos obsessivos. As sensações e sentimentos decorrentes destes pensamentos são de medo, culpa e autorresponsabilização imaginária que podem tomar proporções apavorantes para quem os vive. Então começam os comportamentos para tentar evitar tais catástrofes como as checagens, por exemplo, estes são os comportamentos compulsivos.
Percebam, inicialmente esta cadeia lógica é desta maneira, mas depois de anos funcionando desta forma, em diversos contextos da vida, a pessoa só sabe que precisa checar se desligou o ferro 6 vezes ou lavar as mãos 20 vezes ou qualquer outro número, porque, do contrário, o sentimento é desesperador.
O ponto é que, quando a pessoa segue o ritual que construiu, sente um leve alívio momentâneo, como se tivesse conseguido afastar o grande desastre que estava por vir. E, assim, o cérebro vai entendendo que esse processo parece funcionar, embora não demore muito para se tornar insuficiente. Então a pessoa vai tentando ajustes, como por exemplo, limpar só mais uma vez, tomar só mais um banho e assim sucessivamente.
É claro que a pessoa sabe que não faz o menor sentido fazer o que faz, mas as alterações de percepção e pensamento podem ser tamanhas que a pessoa simplesmente não consegue não fazer. No entanto, esse processo traz muitas limitações para a vida e a pessoa, que pode estar precisando urgentemente de ajuda
O objetivo dos rituais compulsivos é aliviar as tensões fruto daqueles pensamentos obsessivos e intrusivos, que chegam sem avisar, sem que a pessoa queira ou deseje. Eles podem envolver temas como:
- Violência / Agressividade;
- A própria morte ou de outras pessoas;
- Falta de controle dos próprios comportamentos;
- Indiscriminações sexuais;
- Contaminação ou sujeira por contato: maçanetas, dinheiro, corrimão;
- Ferir princípios religiosos e/ou morais, entre outros.
As pessoas que vivem com o TOC relatam cansaço com o excesso de pensamentos obsessivos, em verdadeiros loopings que, sem demora, invalidam as compreensões e alternativas que possam ter sido encontradas e reiniciam o processo antes que mudanças efetivas se consolidem. A sensação pode chegar até ao desespero quando as pessoas não se reconhecerem mais com os comportamentos compulsivos desenvolvidos.
Mas estes ciclos podem ser quebrados, ao menos amenizados, com acompanhamento psicológico e psiquiátrico e as pessoas e familiares precisam saber disso!
Como lidar com essas características no dia a dia?
Lembra que o objetivo das repetições era reduzir as ameaças, os riscos e as responsabilidades imaginárias e hipervigilantes que a pessoa desenvolveu? Pois é, se queremos ajudar alguém que vive com o TOC temos 3 principais tarefas pela frente:
- Ajudar a pessoa a compreender que pensamentos, sensações e sentimentos fazem parte da sua humanidade e que, portanto, integrá-los como partes da sua existência, pode ajudar a reconhecer que eles não podem dominar você quando você compreende a si mesmo por inteiro. Mas, vejam, isso é um processo de mudança perceptiva gradual rumo a uma integração. Um processo que pode ser facilitado por uma relação terapêutica.
- A cada ciclo de comportamentos repetitivos que a pessoa consegue interromper, uma nova noção de si mesmo se constrói. Uma autopercepção de quem resgata gradativamente seu potencial para suportar os picos de ansiedade decorrentes da interrupção do ciclo. Isso porque, a ansiedade vai atingir um pico em alguns minutos e gradualmente vai diminuir. Se você quiser ler mais sobre o ciclo da ansiedade, clique aqui.
- Ajudar a pessoa a interagir com uma compreensão da vida cada vez mais fluida e imprevisível. Uma fluidez da qual podemos fazer parte com bem-estar quando desenvolvemos confiança na nossa capacidade de lidar com nossas emoções; encontrar relações seguras; aprender com adversidades e nos reconstruir quando a realidade impõe limites indesejados.
Embora estas 3 tarefas sejam objetivas e afirmativas, é importante enfatizar que todo esse processo precisa de relações sólidas, confiáveis, de disponibilidade para interagir com um processo intenso de mudança pessoal, mas que pode ajudar a resgatar a funcionalidade da vida.
Se você ou alguém próximo vive algo semelhante e quer saber como a Psicologia pode ajudar, clique aqui e converse com uma de nossas psicólogas, ela pode ajudar a encontrar por onde começar.
Fica o meu desejo de que estas reflexões tenham sido úteis de alguma forma. Obrigada por acompanharem até aqui!