“Preciso fazer isso, não posso deixar a peteca cair, preciso cuidar de quem amo, se cuidar de mim vou descuidar do outro…”. E assim a sobrecarga vai aparecendo, crescemos aprendendo que quando cuidamos de nós somos egoístas, então a raiva e a culpa vão armando uma guerra interna. Afinal, quando estamos sendo egoístas? O que o autocuidado tem a ver com isso e como cuidar de si sem descuidar do que amamos?
Se você está lendo esse texto, ou você tem escutado as pessoas se questionando sobre o dilema entre cuidar de si ou serem egoístas ou é uma dúvida que te visita. Então, vamos juntos encontrar uma outra forma de entender esta dicotomia?
Para isso vamos passar pelos seguintes pontos:
· O que é egoísmo?
· Por que existe o fantasma de sermos egoístas?
· Por que a falta de autocuidado pode ser um problema para as suas relações?
· Como fazer o caminho de cuidado verdadeiro?
O que é egoísmo?
Nada melhor do que começar com um conceito do dicionário para nos localizarmos bem:
“Egoísmo: excessivo amor aos próprios interesses, sem atender aos dos outros.
Egoísta: diz-se de pessoa que trata só dos seus próprios interesses, comodista.”
(Silveira Bueno Minidicionário da Língua Portuguesa, 2000)
Então, o egoísmo é quando uma pessoa está centrada APENAS em si mesma, cuidando SOMENTE dos próprios interesses.
Vamos começar a ver isto de ponta cabeça:
Percebem que para estar dessa forma a pessoa se desconecta do que está ao seu redor, tentando manter como prioridade apenas a si mesmo?
Bom, mas pensem comigo, como pode alguém estar conectado consigo mesmo e desconectado do resto? Como posso ter noção real das minhas necessidades se para isso preciso não me relacionar com o que está ao meu redor, nem com as pessoas ao meu redor? Afinal, nossas sensações nascem da interação com mundo e com as pessoas.
É isto mesmo, o que estamos questionando aqui é se de fato o egoísmo supre a necessidade das pessoas e traz autocuidado. Será mesmo que a pessoa quando está sendo egoísta está atendendo a uma necessidade sua ou isso se manifesta como um processo de defesa tentando gerar um autocuidado distorcido?
E aqui chegamos ao ponto mais interessante desse conceito: o COMODISMO. Geralmente a pessoa que está com uma atitude egoísta está acomodada em si mesma, isso quer dizer que pode resultar de um cansaço, uma desistência, no qual ela de fato não está fazendo um movimento verdadeiro em prol de si, está tentando se proteger e em vão. Vou te explicar por que isso acontece.
Por que existe o fantasma de sermos egoístas?
Ao longo do nosso desenvolvimento aprendemos a agradar as pessoas, não é mesmo? Aprendemos a fazer o “certo” para receber elogios e amor. Assim, nossa noção do que deve ser feito é conduzida não pelo que sentimos, mas pelo que as pessoas ao nosso redor nos conduzem e nos avaliam. Dessa forma, pouco aprendemos a escutar nossas sensações, percepções e avaliações da realidade, e assim crescemos, guiados pela avaliação do outro.
Bom, não precisa de muito para nos vermos agora já crescidos, tentando dar conta de tudo ao nosso redor, das demandas de trabalho, família, dos amigos…Acontece que deixamos de confiar na nossa escuta. E talvez esta seja a palavra chave para nós aqui neste texto: CONFIANÇA.
Deixamos de acreditar que, ao escutar nossos sentimentos, conseguimos reconhecer nossas necessidades, limites e, mais importante, uma avaliação real e nossa das necessidades dos outros e da realidade. E é aqui que já estamos tomados por um conflito interno: nossa sobrecarga de necessidades não escutadas e limites ultrapassados versus a culpa de não cumprir o que nos é pedido externamente.
Chega a ficar fácil vir uma frase no auge do cansaço: “Dane-se! Vou ser egoísta e cuidar de mim!”. Jogar tudo para o ar e entrar neste processo de olhar somente nossos próprios interesses, sem querer ver os outros e as demandas todas, assim nos acomodamos em nós.
Mas quando chega nessa hora, você sabe o que precisa para cuidar de si? Deixar de cuidar do que é importante para você e do que você ama vai te fazer bem? Provavelmente não, por isso está sobrecarregado.
Assim chegamos ao início do fio da meada: o verdadeiro autocuidado que nada tem a ver com egoísmo. Mas antes vamos ver por que a falta desse autocuidado traz muitos problemas para as relações de que, na verdade, estamos tentando cuidar.
Por que a falta de autocuidado pode ser um problema para as suas relações?
Lembram da confiança? Esta é a hora de voltarmos a ela. O amor próprio, na verdade, se comunica com essa confiança em nós. Mas confiança no quê? Em percebermos que é a partir do reconhecimento das nossas sensações, limites e necessidades que encontramos a melhor forma de conduzir o autocuidado verdadeiro e mais: o cuidado verdadeiro com o que está ao nosso redor e com o outro.
Vou lhe mostrar, em alguns pontos, como não ter autocuidado causa distorção nas relações e gera mais sobrecargas:
– Quanto mais você tenta entregar ao outro algo que você não é, não está sentindo ou disponível no momento, mais você e a outra pessoa ficarão frustrados, porque, no fundo, não terá o resultado esperado por ambos.
– Quando você age por uma demanda externa e não reconhece a real necessidade do que está fazendo, a sensação de estar “tapando buracos” e na verdade nunca resolvendo nada efetivamente é constante, aumentando o cansaço de todos.
– Quando você só cuida do outro e não cuida de si, causa uma sensação nas relações que precisam fazer mais por você também, alimentando relações de dependência e não de trocas efetivas. Por isso, ao cuidar de si você também não sobrecarrega o outro: quando você está atento às suas necessidades e atendendo a elas, tem menos chance de descontar nas pessoas sentimentos que não dizem respeito a ela e a relação de vocês.
– Quando você não está atento às suas necessidades e cuidando de você, como está de fato enxergando a necessidade do outro com empatia necessária quando nem mesmo se compreende?
– Ao gerar processos de cuidado do outro sem significado interno e disponibilidade, acaba não reconhecendo a potência das pessoas para também agirem e se reinventarem naquela situação, sejam sozinhas ou, melhor ainda, com você incluindo sua necessidade.
– Quando não trazemos o autocuidado para nossa vida, nos abstemos de uma relação verdadeira em que as pessoas não se relacionam com a verdade do que somos, afinal, não trazemos nossas necessidades para elas se relacionarem também.
Ufa! Consequências o suficiente quando não temos amor próprio e autocuidado, não é?
Como fazer o caminho de cuidado verdadeiro?
Se você chegou até aqui, imagino que tenha percebido que o egoísmo e o autocuidado nada tem a ver um com o outro e, na verdade, o autocuidado é essencial para que você possa de fato gerenciar o que quiser na sua vida, não é?
O autocuidado não significa ficar prostrado em suas características, esperando que o mundo e as pessoas o sirvam, por isso é o contrário do egoísmo. Quanto mais próximo você está de você mesmo, mais reconhecerá desejo de desenvolver-se. Não é à toa que o ser humano chega ao topo das montanhas, não é mesmo? Temos essa força interna de superação e autorrealização constante.
Mas para conseguir alcançar o que deseja, inclusive cuidar das pessoas e das suas necessidades, precisa partir do que existe: partir de si mesmo, dos seus limites, características e necessidades. E isso não está relacionado à aprovação externa, é uma avaliação sua consigo mesmo, reconhecendo o quanto o autorrespeito e cuidado geram ações efetivas na sua vida.
Quanto mais conectado com quem eu sou, com o que sinto, minhas necessidades e limites, mais disponível para perceber e me conectar com o outro de forma genuína e verdadeira nas suas necessidades, sem nos misturarmos, construindo a porta para uma verdadeira empatia.
Vamos ver alguns passos iniciais nesse caminho longe do egoísmo e em prol de um autocuidado?
– Primeiro de tudo: confiança. A palavrinha chave sobre a qual conversamos, confiança de que ao cuidar de si com realidade e respeito você se conectará com as necessidades e os cuidados necessários ao seu redor. A aproximação de nós também nos aproxima do outro.
– Escute suas sensações e sentimentos: eles são nossos guias, é a partir deles que começamos a nos orientar de nós.
– Reconheça seus limites e necessidades: apesar de ficarmos frustrados vendo eles, é a partir desse reconhecimento que podemos ter ações mais efetivas que nos respeitem e inclusive nos permitam superá-los.
– Relacione-se com sinceridade, apresentando quem de fato você é nas relações: relações de cuidado verdadeiras são trocas mútuas com a verdade que cada um é, para isso suas necessidades e limites fazem parte das relações de que participa.
– Reconheça que quando você está bem aumenta a disponibilidade de estar com o outro, a energia que você desempenha e a abertura para empatia com ele, afinal ele não vai te consumir, você cuida de si e assim pode dar espaço para cuidar dele, sem sobrecarregar ninguém. Esse reconhecimento aumentará sua confiança nesse processo.
Sabemos que toda essa compreensão pode ser o contrário do que aprendemos ao longo da vida, por isso não é fácil assimilar e, principalmente, transformar. Colocar em prática na vida diária, quando já estamos muito misturados com nossas preocupações, é um grande desafio! Por isso, se estiver sobrecarregado a ponto dos passos serem difíceis de começar, precisando de maior ajuda para se compreender, uma consulta psicológica pode ajudar. Se quiser conversar com uma psicóloga da nossa equipe, é só clicar nesse link. Estamos juntos.
2 respostas
Maravilhoso
Olá, Marcio! Que ótimo saber que o texto fez sentido para você! Estaremos por aqui, para juntos irmos construindo o seu autocuidado! Um forte abraço