A culpa é um daqueles sentimentos que todos nós já tivemos, mas, na verdade, não gostaríamos de sentir novamente. É exatamente para não sentir culpa que antes de fazer uma escolha ou tomar uma atitude pensamos: “será que é isso mesmo que quero/devo fazer? Não quero me arrepender depois!” Mas a questão é que esse sentimento pode tomar um espaço tão grande dentro de nós a ponto de paralisar vidas.
Então vamos entender:
- – De onde vem a culpa?
- – Culpa X responsabilidade
- – Como lidar com o sentimento de culpa?
Compreender estes pontos pode ajudá-lo a reconhecer como a culpa aparece nos seus sentimentos e como você tem lidado com ela. E, quem sabe, olhar para ela de um ponto de vista diferente da próxima vez que você a experimentar.
De onde vem o sentimento de culpa?
Se perguntássemos para diferentes pessoas sobre os momentos em que se sentiram culpadas, elas responderiam com situações como: culpa por ter dito algo de forma grosseira; culpa por ter desejado interferir em algo injusto e não ter feito nada; culpa por não ter assumido a responsabilidade por algo; culpa por ter causado prejuízo a alguém ou a si mesmo, entre outras. E não se espante se você se encaixar de algum modo em todos esses exemplos. O sentimento de culpa atravessa todas as fases das nossas vidas e também está na base do nosso jeito de viver. Vamos explicar melhor sobre isso.
A culpa é aquele sentimento que experimentamos quando reconhecemos ou tomamos consciência de que somos responsáveis por algum prejuízo material ou subjetivo causado a outras pessoas ou a nós mesmos.
Organicamente, é um processo disparado por uma estrutura cerebral chamada Sistema Límbico. Um conjunto de regiões cerebrais que trabalha de forma interligada e que coordena os nossos julgamentos morais e sentimentos que tem relação com a vida social e afetiva. É esse processo que nos leva a sentir que pertencemos a um grupo e que nossas ações enquanto membros da humanidade, da comunidade ou da família podem contribuir para nossa preservação e desenvolvimento, mas também podem trazer prejuízos.
Esse é um processo biológico, mas desenvolvido intrinsecamente em conjunto com aprendizagens afetivas, relacionais e sociais. Quando uma criança quebra um objeto da casa, ou machuca uma outra criança, os pais imediatamente ensinam que isso é algo que não se deve fazer e buscam desenvolver na criança o sentimento de respeito e consideração para que não cause prejuízos ao outro ou ao coletivo.
Se levarmos em conta esse processo biopsicossocial complexo, então poderemos identificar que o sentimento de culpa tem uma função adaptativa. O que queremos dizer com isso é que esse sentimento serve de alerta para ampliar percepções, reconhecer responsabilidades e, principalmente, direcionar a um ajuste de conduta em uma próxima situação. Um ciclo de aprendizagem que pode levar ao desenvolvimento. Mas, sabemos que o nosso sentimento de culpa geralmente vai além desse processo, não é?
Pois é, uma questão central é que a maioria das nossas relações de base, com aquelas pessoas que Carl Rogers chamava de “pessoas critério”, geralmente se estruturam a partir de julgamentos de valor moral preestabelecidos, de forma que se tornam condições para que a pessoa receba reconhecimento ou não. Vamos a um exemplo para tornar mais compreensível esta reflexão: lembram daquela criança que quebrou o objeto da casa? Então, se lhe dissermos que ela não é mais uma boa menina ou menino porque cometeu esse ”erro” ou “falha”, então o sentimento de culpa fica vinculado a sua pessoa, não a sua ação. Isto pode levar a sentimentos intensos de angústia, menos valia e baixa autoestima. Por outro lado, quando as pessoas critério conseguem ajudar a criança a reconhecer que aquela ação trouxe prejuízos e que ela precisa de novas aprendizagens, diferenciando suas ações de sua pessoa, então temos uma função adaptativa efetiva e um ciclo que se encerra com aprendizagens e sem prejuízos emocionais. Então nossa vida em família pode contribuir ou dificultar o despertar do nosso potencial.
Este é apenas um dos exemplos das diversas situações que vivemos ao longo da vida. E a questão é que diversas situações como estas, experimentadas ao longo da vida, podem levar a ciclos de culpa associados ao arrependimento, vergonha e remorso. E daí por diante, a sentimentos de menos valia, paralisia social e até processos ansiosos e depressivos.
Isto quer dizer que, embora o sentimento de culpa faça parte de um ciclo adaptativo, muitas pessoas vivem um processo distorcido que mais se aproxima de uma tortura psicológica podendo trazer prejuízos para todos os setores da vida: relações familiares, amorosas, de trabalho e projetos de desenvolvimento pessoal.
Culpa X responsabilidade
O significado do sentimento de culpa pode estar tão atravessado por esse processo de remorso intenso e paralisante, que para conseguirmos resgatar sua função adaptativa é melhor associarmos seu significado à noção de responsabilidade. Quando tomamos consciência de que somos responsáveis por algo que gerou prejuízos, podemos então nos abrir para mudanças e ir em busca de aprimoramentos.
Para pensar nesses processos de mudanças precisamos explorar alguns aspectos de situações que podem gerar sentimentos de culpa e que impactam na forma como lidaremos com ela:
- – A intencionalidade: quando as falhas, erros ou equívocos acontecem sem intenção de causar prejuízo, o sentimento de culpa pode ser amenizado e estar mais próximo de se transformar em uma aprendizagem seguida de um processo de mudança. Mas, atenção, se a ausência da intenção estiver associada a uma justificativa, esta pode se tornar uma explicação que serve como uma manutenção do mesmo tipo de comportamento, percebem? A questão é que se pensarmos em pessoas que têm algum grau de empatia, dificilmente terá a intenção de causar prejuízo ao outro, mas isso não a isenta da responsabilidade pelo que sua ação ou expressão causou. Então a intencionalidade é um elemento importante do processo que precisa ser refletido e, se possível, expressado e que pode se tornar ainda mais importante para os processos adaptativos quando se torna um motivador para a mudança em novas situações.
- – A proporção do impacto: o sentimento de culpa já pressupõe que nossas ações causaram impacto prejudicial a algo ou alguém, mas a questão é: que extensão de impacto prejudicial nossas ações geraram? O processo de elaboração do sentimento de culpa pode ser superado com mais facilidade quando o impacto que nossas ações causaram é reversível ou quando não trará prejuízos muito significativos, mas quando se trata de algo irreversível é mais provável que o processo de culpa possa se tornar tão intenso que leve até a autoagressões, por exemplo. Um exemplo que pode ilustrar situações como estas seria causar um acidente de trânsito por desatenção ou embriaguez, levando danos à saúde ou à vida de alguém. Isso quer dizer que, dependendo da proporção do impacto do processo que está gerando o sentimento de culpa, é recomendável que a pessoa procure ajuda de um profissional da Psicologia.
- – Quem foi prejudicado? Como já dissemos anteriormente, algumas pessoas centrais em nossas vidas têm uma influência muito intensa na nossa formação pessoal. Isso faz com que o tipo de vínculo que temos com as pessoas tenha relação com a intensidade do sentimento de culpa que vamos experimentar. É o que acontece quando alguma pessoa bate o carro na rua ou danifica a propriedade de alguém e, se ninguém viu, ela pode ir embora com menos remorso do que se tivesse causado prejuízo a alguém conhecido com quem tem vínculo afetivo. Esse processo demonstra que nosso senso de coletividade e de pertencimento grupal ainda precisa se lapidar. Um outro aspecto sobre este ponto é que a pessoa prejudicada pode ser nós mesmos. Quando nos auto boicotamos ou fazemos uma escolha hoje que nos prejudica no futuro, geralmente sofremos calados e podemos atribuir significados depreciativos a nós mesmos. Então, atenção, se você sente algo semelhante a isso ou deseja lapidar seu jeito de lidar com seu sentimento de culpa, este é mais um motivo para procurar um psicólogo.
Estas são apenas algumas variáveis envolvidas no sentimento de culpa que impactam o processo de responsabilização. Mas mesmo que existam outros, já temos argumentos suficientes para afirmar sem receio: a autorresponsabilização é o primeiro passo para a mudança! E ela não tem nada a ver com autoflagelação, ou autodepreciação. Sobre esse assunto podemos recorrer à reflexão de Brené Brown que afirma que nós não somos erros, nós cometemos erros! Então, podemos, sim, considerar que estamos em constante e contínuo processo de transformação e, sobre quem nos tornaremos amanhã, só nossas atitudes a partir de agora podem determinar.
Como lidar com o sentimento de culpa?
Se o sentimento de culpa pode significar nos responsabilizarmos por nossas ações e expressões; se o sentimento de culpa pode ter uma função adaptativa e, se por outro lado, no dia a dia esse sentimento tem assumido mais a função de tortura psicológica, então temos algo a transformar na nossa relação com esse sentimento, não é?
Sabemos que esse processo não é simples e que envolve muita sinceridade, coragem e confiança no nosso potencial, então seguem três pontos que podem ajudar:
- – Amplie seu alcance de percepção: torne-se curioso pelo funcionamento da teia da vida, nossas ações sempre estarão vinculadas a processos complexos. Quanto mais visão de alcance você desenvolver, mais conseguirá fazer escolhas que minimizem prejuízos coletivos e considerem o máximo de aspectos envolvidos possíveis.
- – Reconheça sua responsabilidade e abra-se para mudanças: é claro que sua visão de alcance deixará aspectos de fora. Não seremos perfeitos, não é? Mas só o fato de vivermos implicados nesse processo, já nos ajuda a digerir o sentimento de culpa e aprender com as situações com mais leveza.
- – Evite processos de paralisia e vá em busca de novas ações: uma das reações mais prejudiciais do sentimento de culpa é a paralisia e a reclusão. E uma das reações mais comuns é entrarmos em um jogo de culpabilização de outras pessoas por nossas ações. Esses dois processos não nos ajudam a ir adiante e podem trazer muitos prejuízos para a vida. Então, pergunte-se como desenvolver novos recursos para lidar com essas questões.
O sentimento de culpa nos acompanha desde os primórdios da humanidade, então saiba que você não precisa passar por estas situações sozinho. Se você sentir que precisa de ajuda psicológica, clique aqui e converse com uma das nossas psicólogas. Ela pode ajudar você a identificar se uma consulta psicológica pode te ajudar no momento.