“De repente aparece uma certeza de que as pessoas vão me abandonar. É um desespero que me leva à crises de raiva, de agressividade e chego a fazer coisas impulsivas que não gostaria. Quando a consciência chega, o sentimento de culpa e de angústia é insuportável, sinto vontade de fazer qualquer coisa para aliviar e muitas vezes são coisas que me prejudicam”.
Este não é um relato real, mas é uma descrição muito comum entre pessoas que apresentam o Transtorno de Personalidade Borderline, já ouviu falar? É um conjunto de características que ganhou esse nome no final do Séc. XIX para descrever as pessoas que viviam na borda ou no limite entre a sanidade e a insanidade mental, trazendo dificuldades extremas para a vida da pessoa e suas relações.
Para compreender o Transtorno de Personalidade Borderline, vamos passar pelas suas principais características:
- – Instabilidade;
- – Mudanças Abruptas;
- – Impulsividade;
- – Excessos;
- – Relacionamentos instáveis;
- – Pavor de abandono.
E vamos falar também sobre como ajudar uma pessoa com Transtorno de Personalidade Borderline.
Ele também pode ser chamado de Transtorno de Personalidade Limítrofe e pode ser considerado um dos quadros de saúde mais difíceis de serem diagnosticados. Sabe por quê? É que existem muitas variações quando as pessoas manifestam suas características e, principalmente, porque se olharmos apenas para alguns grupos de características do quadro geral, poderemos identificar alterações de ansiedade, processos depressivos, dissociações da realidade, transtornos alimentares, abusos de substâncias, entre outras coisas.
Mas veja bem, mais importante do que encaixar a pessoa em um desses quadros ou identificar se de fato se trata de um Transtorno de Personalidade Borderline, o objetivo é compreender o que a pessoa está vivendo e encontrar formas de ajudá-la a viver melhor, com menos sofrimentos. E identificar como seu quadro de saúde pessoal se caracteriza é algo que pode ajudar na busca pelo melhor acompanhamento médico e psicológico, por isso vamos em busca de facilitar essa identificação.
Então, se você está com suspeita de que pode estar vivendo um transtorno de personalidade como este ou se sente que alguém da sua relação pode ter uma característica como esta, leia com atenção as características a seguir:
Instabilidade e mudanças abruptas
A instabilidade é uma das principais características borderline. Parece um contradição, mas podemos dizer que a instabilidade é uma constante. A pessoa não consegue permanecer por muito tempo com o mesmo estado emocional. Literalmente qualquer coisa pode servir de gatilho pra reverter um sentimento agradável de alegria, por exemplo, em um estado de desconfiança angustiante. Já imaginou a sensação de experimental tal virada abrupta? É mesmo uma sensação desconcertante.
Isto acontece porque as percepções da realidade são atravessadas por mudanças químicas cerebrais ou memórias de vivências, que influenciam as interpretações e significados da experiência. A pessoa pode fazer uma associação que, para os olhos de quem está ao redor, não fazem o menor sentido, mas para ela a certeza é tamanha que não há dúvidas de que alguém a julgou mal, alguém agiu de má fé ou seu próprio comportamento foi inapropriado, vexatório, ou qualquer outra distorção perceptiva que transforma a sensação da experiência. Daí por diante vem um looping intenso de virada de estado de humor.

Ufa, é de tirar o fôlego, não é? Mas o oposto também acontece. De um estado deprimido ou de fúria, a pessoa pode encontrar uma nova percepção inesperada, agarrar a ela e se desconectar de toda a experiência anterior. Parece uma saída mágica, não fosse seu teor de instabilidade tão característico quanto o do estado anterior.
Com base no estado de instabilidade de sensações, sentimentos, percepções e humor as consequências são comportamentos extremamente diferentes entre si em curtos espaços de tempo. De uma atitude parcimoniosa para uma atitude de luta por injustiça em questão de segundos e vice e versa.
É por esta dinâmica de funcionamento que a pessoa com características Borderline pode chegar tanto à impressão de que o mundo não a compreende quanto ao sentimento de que ela mesma não é confiável por tamanhas mudanças que experimenta. O sentimento de solidão, vazio, de incerteza quanto ao futuro e principalmente de dificuldade em manter o foco são frequentes.
A realização de projetos pessoais de médio e longo prazo ficam comprometidos pela inconstância à que as mudanças abruptas expõem. E com isso novas sensações de incerteza, insatisfação e receio pelo futuro.
Por outro lado, quando mudanças bruscas são necessárias, esta dinâmica de funcionamento pode facilitar processos adaptativos. As mudanças abruptas do mundo podem até levar a uma sensação de pertencimento, pela semelhança, e não necessariamente de angústia. Isso faz com que estas pessoas se adaptem com maior facilidade a profissões intensas e com mudanças constantes.
Impulsividade e excessos
Outra característica complexa que faz parte da vida de uma pessoa com Transtorno de Personalidade Borderline é a impulsividade. Aquela motivação que leva a fazer coisas sem antes refletir sobre as consequências. Ela está diretamente associada aos excessos como abuso de álcool e outras drogas, praticar sexo sem proteção, dirigir com imprudência, desenvolver transtornos alimentares e até vício em consumo e jogos de azar.
A impulsividade e os excessos também podem estar associados à comportamentos autodestrutivos como automutilação ou autoagressão, principalmente em momentos de angústia intensa, decepções amorosas ou frustrações inesperadas. Embora esses comportamentos autodestrutivos, em geral, não tenham intenção de tirar a própria vida, em situações mais extremas podem levar à tentativas de suicídio. Pessoas com características borderline apresentam maior risco de tirar a própria vida do que as pessoas em geral.
É por esses características associadas entre si que este transtorno torna-se difícil de ser diagnosticado. Um verdadeiro desafio para a compreensão dos profissionais de saúde mental, porque quando olhamos apenas para algumas características, podemos chegar à um quadro parcial, que é verdadeiro mas não completo.
Esta identificação fica ainda mais difícil em momentos extremos quando a pessoa pode experimentar alguns sintomas como delírios ou alucinações. Nestes momentos, é muito comum que pareça um quadro de dissociação, de rompimento com a realidade como acontece na Esquizofrenia. Mas o que ajuda a descartar essa possibilidade é que geralmente são episódios curtos, não se prolongam no tempo.
Relacionamentos instáveis e pavor de abandono
Aquela sensação nítida de que nenhum relacionamento da certo é mais uma das principais características da pessoa com Transtorno de Personalidade Borderline. O histórico de relacionamentos geralmente é marcado por crises de ciúmes, brigas e agressões, ameaças, e comportamentos paranoicos como desconfianças excessivas. Não é pouco comum as pessoas aparecerem sem avisar, ou vigiarem pessoalmente ou virtualmente em busca de flagrantes que comprovem suas incertezas, dúvidas e paranoias.
Com isso os relacionamentos se tornam instáveis, com históricos de término e retomadas frequentes. Mas como todas as inseguranças, impulsividades e até as paranoias geralmente duram pouco tempo, horas ou no máximo dias, segue-se uma sensação de medo intenso de abandono. Há muito sofrimento envolvido e pode desencadear desde crises de ansiedade até episódios depressivos.

Tanto a pessoa com Transtorno de Personalidade Borderline, quanto os parceiros de relacionamento, os familiares e os amigos experimentam algum tipo de sofrimento nesta relação. São instabilidades que deixam todos de sobreaviso à espera da próxima crise sem saber qual extensão terá. E quando os términos se confirmam, eles reafirmam a sensação de abandono iminente e começam novos ciclos de sentimentos e comportamentos extremos e autodestrutivos. É por isso que é comum que quando o risco de fim é iminente existam comportamentos de ameaçava tentativa desesperada de evitar o fim.
Como ajudar uma pessoa com Transtorno de Personalidade Borderline?
Antes de tudo é preciso saber que há fatores genéticos, outros fatores associados a relações familiares instáveis e vivências de situações extremas ao longo da vida na raiz da construção destas características borderline. Assim como é preciso considerar que por se tratar de um transtorno de personalidade, este não é um adoecimento para o qual existe um tratamento que resulta em uma mudança completa. É um daqueles quadros nos quais é possível minimizar muitos prejuízos, amenizar intensidades, mas certas características limítrofes fazem parte da própria identidade da pessoa.
Hoje já sabemos que por volta dos 30 à 40 anos de idade, naturalmente as intensidades tendem a amenizar. No entanto há muito que pode ser feito antes disso quando a pessoa passa por um acompanhamento conjunto da Psiquiatria e da Psicologia. A combinação medicamentosa e o processo de autocompreensão podem ajudar a identificar riscos com antecedência e desenvolver estratégias pessoais e relacionais para lidar com as inseguranças da melhor forma possível.
Então se você é a pessoa que sente algumas dessas características e pode estar precisando de ajuda, considere começar um processo de psicoterapia. E se você é um familiar ou se relaciona com uma pessoa que você acredita que esteja apresentando algumas dessas características, do mesmo modo, você pode receber orientações sobre tudo isso em uma consulta psicológica. Então se quiser falar com uma pessoa da nossa equipe, clique aqui, você será direcionado para o WhatsApp e pode tirar todas as suas dúvidas.

E o mais importante, uma pessoa com essas características tem o desafio de compreender seu próprio funcionamento, mas esta consciência pode trazer aprendizagem, crescimento pessoal e sensação de realização. Sim, há formas de adaptar estas características pessoais de maneira funcional na vida.