Uma das maiores conquistas da humanidade nas últimas décadas é o aumento da expectativa de vida. Ganhamos 25 anos a mais do que os nossos antepassados que viviam na década de 1950. Isso não é incrível? E o que é mais surpreendente é que essa expectativa de vida não para de crescer. Quanto mais desenvolvemos recursos de cuidados em saúde, saneamento básico e avanços tecnológicos, mais anos de vida a humanidade ganha. Alguns futuristas apontam que já nasceram as crianças que vão viver mais de 100 anos com qualidade de vida.
E daí vem a pergunta que acompanha esse avanço: Como a longevidade impacta as relações familiares? E mais, como estamos nos preparando para viver uma velhice prolongada?
O processo de intensa transição demográfica que estamos vivendo significa que, sim, provavelmente teremos as pessoas que amamos por mas tempo em nossas vidas. Assim como nós estaremos por mais tempo por aqui. Quando nos damos conta disso, a sensação de alegria é sem igual! Vem à cabeça tudo que vivemos e o que poderemos viver juntos ainda. Mas além das alegrias, a longevidade está trazendo consequências para as relações familiares em diversos âmbitos. E precisamos cuidar destes aspectos para conseguir, de fato, aproveitar a ampliação do nosso tempo ao sol, do contrário, até viveremos mais, mas sob que condições, não é?
Antes do aumento da longevidade, as famílias desenvolveram seus jeitos de lidar com esta questão. Os idosos eram os anciãos, os mais novos podiam aprender com eles e com sua sabedoria e assim iam se harmonizando as diferenças. Mas a partir de agora já temos algumas famílias com bisavós, avós, pais e filhos convivendo, muitas vezes, no mesmo ambiente. Agora imaginem a salada de formas de ver o mundo, o conflito de valores e a dificuldade de comunicação.
A longevidade implica em mudanças relacionais, de rotina, econômicas, de infraestrutura, emocionais e de saúde. É uma questão multifatorial complexa que precisa da nossa atenção. Uma pesquisa realizada com 27 famílias multigeracionais do Sul do Brasil (Heréria, Casara & Cortelletii, 2019) apontou 10 prováveis impactos que a longevidade implica. Vamos apresentá-los e refletir sobre cada um deles:
1. Netos terão avós por muito mais tempo que seus pais tiveram.
Esta realidade traz mudanças tanto para os avós quanto para os netos. Vamos começar pelo ponto de vista dos avós, já que eles estão tendo a oportunidade de verem seus netos crescerem. Essa é, sem dúvidas, uma oportunidade ímpar, mas, quando há concepções rígidas e dificuldade de lidar com o novo, vai gerar preocupação como, por exemplo, o uso de eletrônicos, os hábitos pouco convencionais e as escolhas profissionais inovadoras. Os netos, por sua vez, geralmente têm muita dificuldade de conceber como funciona um cérebro no paradigma analógico. Não temos dúvidas de que essa diversidade pode ser uma oportunidade rica de desenvolvimento humano, mas para isso precisaremos ampliar a consciência desta realidade e nos disponibilizarmos para estas experiências.
2. Idosos podem se tornar dependentes.
Ao longo dessa transição demográfica, o prolongamento da vida nem sempre é sinônimo de qualidade de vida. Temos recursos para sustentar a vida por mais tempo, mas ainda é comum que as condições de saúde tragam a perda da autonomia e a dependência dos cuidados dos familiares. Este processo ocasiona sobrecarga emocional, preocupações com saúde e com a escolha da melhor forma de cuidado desse idoso. É comum que as famílias assumam o trabalho integral de cuidado do idoso, mesmo sem condições psicossociais para isso.
3. Idosos cuidando de idosos.
Se no Brasil aos 60 anos nos tornamos idosos, e se a expectativa de vida está crescendo, já temos idosos com cerca de 90 anos sendo cuidados por seus filhos de 70 anos, por exemplo. E qual a condição deste cuidado? Os cuidados psicológicos muitas vezes são possíveis, afinal a maturidade ajuda a compreender como é a sensação de estar envelhecendo. Mas, e quanto aos cuidados físicos? Quanto mais a idade avança, mais cuidados como banho e qualquer outra atividade que envolva força e habilidades motoras se tornam inviáveis. Nestes casos, ou as gerações mais jovens entram em auxílio conjunto ou a ajuda profissional torna-se um recurso necessário em muitas circunstâncias.
4. Muitos netos, filhos adultos e filhos idosos são cuidados por pais e avós idosos.
E quando os idosos mais velhos é que são os cuidadores? Pois é, esse inverso também é verdadeiro. Não é pouco comum que os idosos em idade avançada ainda sejam os provedores da família, oferecendo cuidados de todas as ordens: do financeiro aos afazeres domésticos. Estes contextos revelam a necessidade de reconfiguração do contexto familiar. A questão é que nunca vivemos esta realidade antes, ao menos não nesta escala. O que observamos é que as famílias ainda não sabem quais são as saídas possíveis para esta realidade.
5. Necessidade da presença efetiva e contínua de familiares para atender o idoso.
Quando os idosos demandam atenção e cuidado afetivo demasiado ou quando são os familiares que acreditam que precisam estar integralmente presentes há uma desconsideração com as necessidades pessoais dos próprios cuidadores. Este é um processo que dificulta o desenvolvimento da vida dos filhos e ou netos de modo que até poderíamos chamar de autonegligência por parte dos familiares para priorizar as necessidades do idoso. Muitas vezes o autocuidado é compreendido, de modo equivocado, como abandono do idoso. Uma realidade que aponta a necessidade de cuidados psicológicos do sistema familiar para que as pessoas ampliem suas percepções e compreensões da realidade em que vivem.
6. Sobrecarga financeira para a família.
As famílias geralmente tinham um formato piramidal. Isso quer dizer que quando um idoso precisava de cuidados, havia uma base de muitos jovens adultos em fase de produtividade para arcar com os custos dos cuidados dos idosos. Mas agora esta pirâmide está se invertendo. Teremos avós, bisavós pais e muitas vezes apenas um filho. E como fica esta realidade financeira? Alguns idosos ainda podem contar com aposentadorias, mas os custos são realmente desproporcionais sobrecarregando a todos neste processo. Mais do que nunca, o planejamento familiar multifatorial precisa ser uma prioridade para dar conta destas demandas.
7. Idosos morando sozinhos.
Esta é a saída que muitos idosos encontram diante dos conflitos intergeracionais. Outros apenas preferem manter seus hábitos e sentem que têm uma melhor qualidade de vida morando sozinhos. Neste caso, as famílias estão precisando desenvolver uma nova forma de cuidado. Uma assistência à distância, como um monitoramento que ofereça suporte mas mantenha os idosos ativos no seus autocuidados.
8. Conflitos multigeracionais.
Imagine que você viveu as mazelas de um período pós-guerra ou ainda passou por experiências intensas que marcam a forma como você aprendeu a viver. Agora imagine os jovens vivendo de formas que, na sua compreensão, serão um verdadeiro fracasso. Esse é o ponto de vista de muitos idosos, que origina seus comportamentos críticos e de tentativa de direcionar a vida dos filhos e netos para o que acreditam ser o melhor a ser feito. Por outro lado, imaginem os netos, nascidos em uma era digital, que encontram respostas em um piscar de olhos na internet e que entendem a diversidade e a liberdade como palavra de ordem para a vida. Já viu onde isto vai dar, não é? Conflitos e uma comunicação truncada. O que fazer com esta realidade? Um bom ponto de partida é a consciência deste processo e o interesse por compreender a forma como o outro percebe a realidade.
9. Mudança e alternância de papéis familiares.
Ora somos cuidadores, ora seremos cuidados. Esta visão de processo pelo qual todos iremos passar é outro aspecto que pode facilitar a convivência e flexibilizar os pontos de vista. Quiçá pode até contribuir para um planejamento familiar coletivo e próspero.
10. Diferença nos níveis culturais.
Sim, as transformações culturais trazem um verdadeiro hiato intergeracional. O acesso à globalização, às conexões em rede estão construindo uma realidade cultural que não se define mais pelas fronteiras geográficas como acontecia anos atrás. Um exemplo são as tradições religiosas orientais e ocidentais que hoje podem estar presentes dentro de um mesmo lar. O nível intelectual e de estudos também contribui para este hiato. Somos diferentes em diversas dimensões e, mais do que nunca, a qualidade da nossa convivência está relacionada a nossa disponibilidade para conhecer e nos comunicar com outras perspectivas diferentes das nossas.
Em síntese, estes impactos revelam que os conflitos intergeracionais podem se tornar crônicos desestabilizando as estruturas familiares, o que têm levado muitos idosos , entre outros motivos, a optarem por viver sozinhos, ao menos enquanto há qualidade de vida para desempenhar autocuidado com autonomia. Mas nem sempre esta é uma opção por questões financeiras, além disso, uma hora as falhas cognitivas ou as limitações físicas anunciam a necessidade de cuidados. Pois é, precisamos urgentemente ampliar nossas reflexões coletivas sobre o envelhecimento e incluí-lo no planejamento familiar. Nossos familiares estão envelhecendo e nós também teremos uma velhice prolongada.
Há diversas alternativas sendo utilizadas como as instituições de longa permanência ILPIs, que têm, pouco a pouco, vencido os preconceitos históricos e se tornado uma alternativa para famílias que não conseguem cuidar dos idosos em casa. Além das comunidades para idosos, menos comuns no Brasil, mas que vêm se expandindo gradualmente com a proposta de oferecer cuidados e promover autonomia enquanto há condições para isso.
Independentemente das saídas que encontraremos para esta nova realidade, parece que teremos que aprender a conviver com percepções da vida diferentes das nossas, não é? A habilidade de transitar em diferentes mundos subjetivos parece um potente recurso para ajudar a minimizar os conflitos desta nova realidade.
Se você precisar de ajuda para pensar seu planejamento familiar e a forma de lidar com o seu envelhecimento ou dos seus familiares, conte com a nossa equipe nesse processo.