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Por que a Abordagem Centrada na Pessoa revolucionou a Psicologia?

As abordagens psicológicas são muitas e, mesmo que você não seja profissional da área, já deve ter ouvido falar em psicanálise ou terapia cognitivo-comportamental. Essas são duas abordagens conhecidas por diversos motivos históricos e técnicos, mas você já ouviu falar em Abordagem Centrada na Pessoa? Apesar de ser menos citada atualmente, muitos dos seus conceitos psicológicos são mencionados em congressos de inovação nas reflexões sobre o humano do futuro. Quer entender melhor?

A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) é uma perspectiva psicológica que foi desenvolvida, inicialmente, pelo psicólogo norte-americano Carl Rogers desde 1940 e é aplicada atualmente em diversos campos da Psicologia e do desenvolvimento humano.

Para que você possa compreender um pouco do muito que a ACP tem a nos oferecer, apresentaremos alguns princípios que consideramos porta de entrada para uma perspectiva que ainda hoje pode ser sentida como revolucionária no campo da psicologia. São eles:

  • – Visão de humano e de mundo;
  • – O significado da expressão “um jeito de ser”.
  • – As aplicabilidades da ACP.

Visão de humano e de mundo: uma reviravolta na Psicologia

Vamos começar com uma curiosidade: Você sabia que o pensamento de Rogers integrou o movimento da Psicologia Humanista na época do seu surgimento e que marcou uma mudança de paradigma na Psicologia? Você sabia que essa perspectiva psicológica trouxe uma mudança completa no jeito de compreendermos o ser humano? Foi e ainda é um verdadeiro giro de inversão de ponto de vista e de posicionamento. Então apertem os cintos, vamos virar de cabeça para baixo!

Para entender melhor esse novo ponto de vista, pense conosco. Nós estamos acostumados a procurar respostas prontas para as nossas questões, não é? E, por isso, o que geralmente buscamos são respostas do tipo:

“Faça de tal forma que esse seu problema se solucionará”.

“Tome esse medicamento e siga essas regras que você ficará bem”.

“Converse comigo que eu entenderei o que está acontecendo e te direi o que é para você fazer”.

Você já deve ter passado por alguma situação assim, seja pedindo conselhos a amigos ou a profissionais que são referência em algum assunto.

Agora, para entender a perspectiva da ACP, leia esse compilado de compreensões:

O ser humano é digno de confiança e possui a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si mesmo e de resolver seus problemas de modo suficiente para alcançar a satisfação e eficácia necessárias ao funcionamento adequado, tornando-se mais complexo e autônomo.

(Rogers, 1942, 1951, 1961, 1977)

Se hoje essa compreensão é revolucionária, imaginem em meados do século passado! Naturalmente uma mudança nestas proporções significa muitas coisas. Vamos listar alguns dos componentes desta afirmação para compreendermos o que essa mudança de paradigma trouxe para a visão de humano e de mundo:

· As pessoas são dignas de confiança: considerar que uma pessoa é digna de confiança significa dizer que em cada pessoa existe um movimento intrínseco em direção ao autodesenvolvimento e, por isso, pode-se confiar que a pessoa está em um processo de atualização constante.

· As pessoas possuem a capacidade, latente ou manifesta, de compreenderem-se a si mesmas e de resolver seus problemas: isso quer dizer que as pessoas possuem em si mesmas os recursos necessários (processos perceptivos, sensíveis, cognitivos, relacionais) para encontrar saídas para as questões das suas vidas. Estes recursos podem até estar em forma de potencial, para serem desenvolvidos, mas o que esta afirmação propõe é que eles existem em algum grau. Considera-se assim que, a partir da combinação desses recursos, a pessoa pode ativar seu potencial criativo para criar a melhor forma de enfrentar as adversidades da sua vida.

· As pessoas buscam tornarem-se mais complexas: ao construírem novas saídas, a partir do que percebem da realidade, as pessoas estarão sempre em processo de atualização de si mesmas, tornando-se mais complexas a cada nova ação. Os recursos pessoais tornam-se gradativamente mais elaborados. É um processo fluido, um fluxo de aprimoramento constante em direção à complexidade.

· As pessoas caminham em direção a uma maior autonomia: ao reconhecer seu próprio potencial de adaptabilidade e resolução das adversidades, elas se sentem mais aptas para gerenciar suas próprias vidas. A autonomia se expande em suas vidas, a cada vez que se amplia sua capacidade de autogerenciamento na vida.

Quanto potencial, não é? Sim, considerando que o ser humano tem a capacidade de desenvolver suas potencialidades, o que a ACP propõe é o resgate do poder pessoal. Mas você deve estar se perguntando: se as pessoas têm esse potencial, por que precisam de ajuda para usufruir do que já faz parte delas?

Esta pergunta é fundamental para compreender a ACP e, para respondê-la, propomos que você busque na sua memória como foi o seu processo de crescimento. Como você aprendeu a ser você mesmo? Provavelmente você vai perceber que considerava como referência o que algumas pessoas importantes falavam e pensavam a seu respeito, não é mesmo?

avaliação externa

“Que lindo! Tão educado sorrindo para todo mundo”.

“Você é muito feio fazendo isso”.

“Se você fizer isso de novo vou embora e te deixarei sozinho!”.

“Parabéns, você tirou 10!”.

São tantos exemplos, agradáveis e desagradáveis, das avaliações externas que recebemos ao longo do nosso desenvolvimento! Imaginamos que você deve estar lembrando de várias!

Os significados que atribuímos a essas avaliações externas nos direcionam para a construção de comportamentos e sentimentos que mantenham a consideração positiva dessas pessoas que são importantes para nós. Assim, nos distanciamos cada vez mais do que sentimos, do que percebemos e da nossa avaliação da realidade, e até de nós mesmos. De modo que nosso potencial para gerenciar as adversidades, para confiar nas nossas condições pessoais de crescimento, vai se tornando imperceptível ou distorcido e passamos a pensar, sentir, nos expressar e agir de forma incongruente.

Bom, a partir daí você já deve estar deduzindo que se não compreendemos muito bem o que sentimos, a vida vai se tornando complicada. Assumimos posturas rígidas que caibam nos contornos do que aprendemos que é o perfil mais adequado. A falta de flexibilidade e a distância do nosso potencial levam ao medo das imprevisibilidades da vida. Nossas relações tornam-se conflituosas e, muitas vezes, prejudiciais para nossa saúde.

E diante deste verdadeiro caos, o que pode resgatar nosso potencial de crescimento são relações facilitadoras! Relações desprovidas de avaliações valorosas, condicionais e de ameaças, capazes de nos reaproximar de quem somos. Esta é a proposta da ACP: oferecer um clima relacional capaz de potencializar a capacidade humana que existe em todos nós para nos desenvolvermos. Mas o que são estas relações facilitadoras?

Um jeito de ser: muito além de uma técnica

Carl Rogers fez diversas pesquisas sobre as características de relações humanas facilitadoras do crescimento. Ao longo dos anos ele descobriu que a relação terapêutica é um recurso potente na transformação da personalidade, levando as pessoas a compreenderem a si mesmas.

E descobriu mais: o que torna esta relação tão potente é o clima facilitador que ela proporciona. Um clima que o psicólogo pode promover através de uma relação de pessoa para pessoa, que facilita o encontro do caminho de crescimento de quem busca ajuda. O produto desse processo é a ampliação da percepção da pessoa sobre si e sobre o mundo, desenvolvendo novas atitudes diante dos desafios da vida.

Carl Rogers

Isto é mais complexo do que podemos imaginar, mas vamos simplificar! Inicialmente é necessário que haja duas pessoas disponíveis para se relacionarem e que uma delas esteja em estado ansioso ou de angústia. Quanto à outra pessoa, para estar em uma relação facilitadora, precisará dispor de certas atitudes terapêuticas que já vamos apresentar.

Mas para isto, antes de tudo, a pessoa precisará viver um processo de desenvolvimento pessoal. Isto quer dizer que, para facilitar o desenvolvimento das pessoas, precisaremos viver este processo conosco mesmos. Você deve estar se perguntando: Como assim?

Se você é uma pessoa que está disposta a estar com o outro, facilitando seu caminho de desenvolvimento, precisará desenvolver atitudes facilitadoras. Usa-se a palavra atitudes porque não são técnicas aplicáveis de forma imitativa, são atitudes que integram um jeito de estar na vida e nas relações.

Que atitudes são essas? De forma sintética e simplificada, são elas:

– Consideração positiva incondicional: considerar a pessoa como digna de valor e por isso suspender julgamentos morais;

– Compreensão empática: mergulhar, com interesse genuíno, nos sentimentos e significados da pessoa e captar com precisão o seu ponto de referência interno e, então expressar de forma efetiva essa compreensão;

– Autenticidade: viver a experiência com tudo que ela proporciona, percepções, sensações, significados, sentimentos e, então desenvolver comportamentos congruentes com sua vivência da experiência, de forma transparente e sem resistências.

Reconhecem que não podemos simplesmente “aplicar” estas premissas? São jeitos de estar nas relações que só podemos desenvolver através do mergulho em nós mesmos enquanto pessoas e profissionais e da vivência de experiências em relações facilitadoras. Isso quer dizer que o profissional que tem como abordagem norteadora do seu trabalho a ACP estará em constante processo de desenvolvimento enquanto pessoa, saindo do lugar de saber, para estar lado a lado com as pessoas em desenvolvimento.

Observe que ler essa descrição de processo pode estar despertando alguns sentimentos em você. Alguns sentimentos comuns são: um incômodo, como se tudo isso fosse simples ou superficial. Neste caso diríamos, é possível que você precise aprofundar a compreensão sobre o significado de cada termo desse processo. Eles podem se tornar tão complexos ao ponto de muitos psicólogos da ACP dizerem que levaram décadas para compreender a empatia ou a autenticidade de uma forma profunda, por exemplo.

Mas, por outro lado, você pode estar sentindo um encantamento admirável, como se tudo isto fosse incrivelmente belo. Neste caso, diríamos, não se engane, o processo de desenvolvimento pessoal e de tornar-se um facilitador de processos humanos é mesmo realizador, no entanto envolve o encontro de distorções e verdades pessoais que podem ser consideravelmente dolorosas e desagradáveis até serem desconstruídas e transformadas.

A ACP não pode ser transformada em uma técnica. Isto seria inviável, ela é uma escolha de vida, uma orientação filosófica que melhor se traduz por um verdadeiro jeito de ser.

Uma Abordagem que extrapola a clínica

Ao longo dos anos do trabalho de Carl Rogers, as suas pesquisas foram se ampliando e tornando-se tão complexas que extrapolaram o contexto da psicoterapia. A ACP tornou-se, assim, uma abordagem composta por diversas teorias e aplicabilidades. Aqui trouxemos uma “pitadinha” do muito que temos para explorar. Foi um início de compreensão de tudo que você precisa saber para começar a entender esta abordagem e esta forma de compreender a Psicologia e o ser humano.

Para percebermos a dimensão da sua expansão, basta pensarmos nas atitudes, na visão de humano e de mundo, vivenciadas em qualquer contexto que envolva relações humanas! Isto mesmo, ao longo dos anos a ACP se expandiu e pode estar presente onde existirem pessoas se relacionando.

Na área da educação, estuda-se Carl Rogers e suas compreensões sobre a liberdade de aprender e sobre o processo de aprender a aprender. A base da saúde humanizada e muitos processos adotados pelo SUS falam de uma abordagem consideradora e empática que promove autonomia dos pacientes no seu próprio cuidado em saúde. A área de mediação de conflitos recebe forte influência dos conceitos da ACP, desde eventos históricos de mediação de conflitos interculturais até, mais recentemente, nas mediações de conflitos alternativas ao sistema judiciário tradicional, evitando litígios e estimulando acordos interpessoais.

Poderíamos seguir dando exemplos e você mesmo poderia encontrar diversas possibilidades de aplicações desta abordagem. Não é à toa que em congressos sobre empreendedorismo, marketing e inovação os conceitos da ACP aparecem de forma volumosa nos princípios básicos de ideias disruptivas. De fato são concepções férteis. Onde há seres humanos, há relações e processos de crescimento.

Ao mergulharmos nesta compreensão das relações como possibilidade de crescimento podemos nos abrir para outras formas de nos relacionarmos uns com os outros. Ao nos considerarmos como dignos de valor, podemos transformar nossa forma de estar no mundo. Mas bem, a construção do nosso jeito de ser acontece ao longo da vida e nem sempre é fácil acessarmos todas as nossas potencialidades sozinhos. Por isso, existem relações que se dispõem a facilitar o nosso desenvolvimento em conjunto.

Não tente se desenvolver apenas estudando, lendo, aprofundando seus conhecimentos. Este processo é necessário, mas não é suficiente. Você vai precisar de experiências, vivências e relações. Se quiser companhia para a sua caminhada, estaremos por aqui para facilitar seu processo de desenvolvimento junto com você.

Doralina Enge Marcon

Doralina Enge Marcon

Psicóloga, CRP 12/10882

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