Desafio! Para todo lado que olhamos, é isso que encontramos. Nos hábitos, no trabalho, na aprendizagem e principalmente nos relacionamentos amorosos, já que quem está longe não tem a possibilidade de se deslocar e quem está perto está muito perto, desafiado ao extremo da convivência.
A experiência que estamos vivendo nos leva aos extremos. Imagine olhar seu relacionamento com uma lupa. Examinar cada detalhe: as rachaduras na superfície, as cicatrizes, os aspectos mais frágeis, os sentimentos que conectam as individualidades, os aspectos que só existem em cada um por causa do relacionamento. É exatamente isto que os casais estão experimentando neste período de isolamento social. As percepções, sensações e sentimentos estão verdadeiramente aflorados pelas circunstâncias.
A questão é que historicamente não temos muitas habilidades para lidar com situações extremas, não é mesmo? É comum que as pessoas sintam desespero e percebam as dificuldades, também de forma aumentada, como impossibilidades. E daí você já deve estar imaginando onde vai dar: desentendimentos, conflitos, mágoas, rupturas e, em casos mais graves, diferentes formas de violência.
Você provavelmente já ficou sabendo que após o isolamento social da China houve um aumento no número de divórcios. Pois bem, de fato algumas relações podem mesmo já ter chegado ao fim sem que as pessoas tivessem percebido. Neste caso, as pessoas receberam o famoso empurrãozinho do covid-19. Mesmo que doloroso, algumas despedidas precisam ser vividas. Mas muitas relações não se encaixam nessa realidade. Tratam-se de inabilidades emocionais, dificuldades de comunicação e expressões de uma saúde mental abalada.
Então, se você faz parte de algum desses grupos e está se sentindo em desafio para superar suas dificuldades, vamos compartilhar com você algumas reflexões que podem ser úteis neste momento.
Quais são os aspectos críticos do dia a dia de um casal durante o isolamento social?
Já percebemos o quanto a realidade mudou e o quanto nosso jeito de nos relacionarmos também precisa mudar e continuar mudando. No dia a dia podemos identificar que os casais encontram dificuldades em 3 principais aspectos:

1. Rotina: O novo contexto desafia todos a reorganizar a rotina. Novos hábitos de higiene, horários e compartilhamento de espaços. Sim, as coisas já não são mais como antes. Isto pode gerar muitos conflitos, mas também pode ser uma oportunidade para conhecer o que é indispensável para ambos. Com as necessidades compreendidas, o desafio será de logística e não mais um desafio relacional e subjetivo de disputa de espaços. Compreensão mútua, cooperação e logística estão se destacando como a tríade da construção de novas rotinas.
2. Comunicação: Nessa convivência diária, aumentada com nossos parceiros e parceiras, não terá mais espaço para aquelas expressões tradicionais como: “Ela sempre reage dessa forma.” Ou, “Eu já sei o que ele vai fazer!” Estas certezas vão precisar ser substituídas por: “Como será que ele ou ela estão nessa situação?” Esse pode ser o começo de uma comunicação aberta que leve à compreensão mútua, potencializando as resoluções conjuntas. Na dúvida, pergunte sempre que possível!
3. Individualidade X relação: Muitos casais estão relatando sentir falta da sua individualidade e privacidade, principalmente por conta do espaço restrito ou das rotinas excessivamente compartilhadas em atividades conjuntas. Sim, um espaço individual é importante para a saúde mental. Então, uma possibilidade pode ser não fazer coisas juntos em alguns momentos, mesmo estando no mesmo ambiente. Enquanto um faz algo, o outro pode estar envolvido em outro afazer, de preferência em outro cômodo. Parece uma medida simples, mas a questão está no seu significado. Misturar-se na identidade do outro, definitivamente, não é saudável, mas relacionar-se com a individualidade do nosso parceiro ou parceira, sim.
Compreenda sua dinâmica de funcionamento psicológico
É claro que são muitos fatores envolvidos neste diaadia, mas há uma síntese que parece expressar nossa principal dificuldade nestas situações tão novas:
Nosso cérebro foi ensinado geneticamente pela vida dos nossos ancestrais a usar as experiências passadas para evoluir. É natural e inteligente que procuremos saídas no que já conhecemos. Uma conservação saudável das nossas evoluções. A questão é que estamos diante de um impasse: desta vez, nossas experiências passadas não têm a resposta. Estes desafios sem respostas já estavam aumentando gradualmente nos últimos anos, com o crescimento tecnológico exponencial e a globalização, mas agora o “ainda não sei” bateu todos os recordes.
Para toda nova dificuldade que surge, a saída mais adequada parece ser encontrar algo novo. E a distância entre o não sei e a solução está preenchida pela ansiedade, vazio, medo, insegurança e tristeza. Pois é, esta é a dinâmica psicológica que está se desenhando na maioria de nós neste momento. E a expressão dela está aparecendo nas nossas relações.
Não queremos descarregar as dificuldades emocionais nas pessoas que amamos, mas, sem perceber, lá estamos nós fazendo exatamente isso. O revés vem com sentimento de culpa e tristeza. Assim o looping vai avançando. Ufa, quanta angústia, não é? Mas, sim, é possível construir uma outra dinâmica de funcionamento. Vamos recalcular a rota?
Recalculando a rota das relações amorosas
O primeiro reconhecimento a se fazer é que esta rota está acontecendo em você e não fora de você. Então não se trata de pensar em novas ações, mas, antes disso, de tomar consciência da sua dinâmica de funcionamento. Sua forma de perceber as situações, as reações emocionais que você está sentindo e que compreensões você está tendo sobre você na sua relação amorosa. Então observe esses pontos:
- – Não se engane, é muito difícil perceber a nós mesmos e as situações com menos distorções. Quando percebemos, lá estamos nós responsabilizando o outro novamente. Seu desejo de mudança pode te dar a dose de coragem necessária para continuar reconfigurando sua percepção. Uma nova consciência gera novos sentimentos e, esses, levam a novas atitudes nas relações.
- – Sabe aquela sensação de vazio diante do novo, que falamos lá no começo do texto? O mais comum é que o “ainda não sei” diante dos desafios leve mesmo para a sensação de desespero e a conflitos nas relações. Mas e se o “ainda não sei” tomasse um novo significado? Pois é, o fato de não termos respostas para muitos desafios pode ser percebido como uma grande possibilidade de criar o novo, de exercitar nossa criatividade, de conversar sobre nossas percepções e sentimentos com nossos parceiros e parceiras. Sim, sabemos que essa reconfiguração é difícil. Mas, mais difícil é nos afastarmos de quem amamos por falta de habilidade emocional.
- – As saídas que a abertura para o novo gera, costumam ser movimentos referentes às experiências do momento. A realidade está mudando muito rapidamente. Então, o momento seguinte será uma nova experiência que precisa ser compreendida sem precedentes e que, mais uma vez, precisaremos nos abrir para descobrir novas saídas. Traduzindo essas reflexões para as relações, diríamos que não será possível deduzir o que o outro quis dizer. Assim como não será possível deduzir o que nosso parceiro ou parceira sentiu. Vamos precisar usar amplamente nossos recursos de comunicação e sempre considerando que não sabemos o significado do momento.
- – Recalcular rota é um convite para sair da rota que estávamos nas nossas relações: nossos hábitos, nossos jeitos de nos comunicar, para construir outro. Construir outra rota já é um bom exercício, mas precisamos estar atentos para não entrar em outra rota estática. O convite que estamos fazendo aqui é para recalcular rota a cada experiência nova. Considerando que os acontecimentos estão afetando a nós mesmos e aos nossos parceiros e parceiras de uma forma constante e continuada.

Como diria Carl Rogers: “A própria firmeza está na mudança e no processo, e não em algo estático. Mas uma substância dela, que não cessa de florescer é, para mim, o casamento, em seu maior brilho.”
É claro que vocês experimentarão desafios intensos. Inclusive o medo da perda e as adversidades de saúde às quais estamos expostos. Lembre-se que estas reflexões podem ajudar você a encontrar novas saídas para novas circunstâncias. Mas sobretudo, saibam que vocês não estão sós. Estaremos juntos para refletir sobre seu processo de abertura ao novo sempre que você sentir necessidade.