“Parasitas são organismos que vivem em associação com outros dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente depauperando o organismo hospedeiro, um processo conhecido por parasitismo.”
Você pode não saber, mas existe uma probabilidade enorme de que você seja ou já tenha sido o hospedeiro de algum parasita, ou o parasita de algum hospedeiro. “Nossa!” Você deve estar se perguntando: “como é possível viver uma experiência como essa sem saber?”
Para entender a dinâmica deste processo, vamos ultrapassar os limites da Biologia e chegar no âmago das relações humanas, pegando uma carona com “Parasita”. O filme que levou para casa 4 das principais premiações do Oscar/2020.
1. Melhor roteiro original
2. Melhor filme internacional
3. Melhor diretor
4. Melhor filme
Com todas estas premiações e o surpreendente reconhecimento internacional, é natural que passe pela cabeça de todos nós que certamente este filme tem algo para contribuir com nossa visão de mundo, não é mesmo?
A trama é tão rica e inesperada que não se sabe ao certo se é uma sátira, uma comédia, um suspense ou um drama. Ele invade, sem empurrar uma visão de mundo, as desigualdades sociais sul-coreanas e revela metáforas da trama psicológica que compõem as relações humanas globais. A ausência de respostas imediatas para as dinâmicas relacionais parasitárias nos levou a perguntar: O que as metáforas presentes no filme têm a ver com cada um de nós?
Que história é essa?
Imaginem! Uma família de um casal e dois filhos jovens adultos, que sobrevivem em um subsolo, úmido, infestado de insetos e que encontrou uma única maneira de sobreviver: tirar proveito de tudo que é alheio, sem ser descoberto. Tudo mesmo! Desde a internet até as fragilidades emocionais. Eis a nossa primeira metáfora. Um tanto quanto sórdido, apesar de genial, não acham? Verdadeiros parasitas em ação. Aparentemente um plano perfeito, se desconsiderarmos que os planos nunca dão plenamente certo.
Foi o que aconteceu quando eles começaram a se infiltrar em uma família rica que vive em uma casa exuberante, com jardim, iluminação natural e conforto extremo. O filho, com a ajuda de um amigo e uma certificação falsa produzida pela irmã, se torna o professor particular de inglês da filha dessa família rica; a filha passa a ser a professora/terapeuta do filho mais novo e excêntrico da família sem o conhecimento que afirmou ter; o pai emprega-se como motorista, após a filha ter levado o patrão pensar que o motorista estava tendo comportamentos inadequados e, após engenhosas manipulações do pai e dos filhos, a mãe ocupa o lugar de governanta da mansão. É! Uma trama que ao ser revelada passo a passo vai dando a dimensão das atitudes humanas.
E o que deu errado? O fato de eles não serem os únicos parasitas dessa família rica. Isto mesmo! Para surpresa de todos, eles não eram os únicos a encontrar refúgio e abusar daquele cenário luxuoso. A antiga governanta e seu esposo rastejavam em um outro subsolo, desta vez um bunker da própria mansão, para disputar o status de parasita.
Não bastasse a montanha russa emocional que a trama provoca, uma segunda metáfora se revela. A família privilegiada também faz uso parasitário dos seus golpeadores. Como assim? Bem! Apesar de perceberem algumas contradições, escolhem construir e acreditar em justificativas lógicas que reforçam a crença de que devem confiar em pessoas que foram indicadas por pessoas em que eles confiam.
E como fazem isso? Não sendo claros nas suas comunicações, deixando de lado as contradições e evitando posicionamentos. Sem querer, alimentam o ciclo, amarrando uns aos outros em uma relação de uso e abuso que parece um ecossistema interdependente.
Estão todos tentando desesperadamente sair dos seus lugares e, repetidas vezes, são levados por uma enxurrada de fatalidades que os coloca de volta nos mesmos lugares de sempre.
O que as metáforas do filme “Parasita” têm a ver com sua vida?
Bem, você já deve ter compreendido que não existem vilões e mocinhos nessa engenharia. Assim como não existe uma estrutura segura que a arquitetura social já tenha construído para proteger alguém dessa trama. Mas o que essa narrativa tem a ver com todos nós, as nossas relações, os seus cenários e as nossas visões de mundo? Isso nos leva à terceira metáfora.
As personagens do filme estão sempre tentando melhorias. As famílias invasoras buscam melhores condições, usufruindo o máximo que podem a cada conquista, a família abastada busca a melhor educação para os filhos, funcionários mais eficientes e segurança.
Mas a questão é que buscam sempre do mesmo jeito, repetindo o modus operandi e buscando resultados diferentes. O resultado disso é frustração, angústia, desesperança e atitudes extremas de desespero.
O dono da casa, chega a perceber sinais de que tem algo errado, na metáfora, tem um cheiro estranho, sempre pairando no ar. A criança também percebe os cheiros e vai além, traça um fio de ligação entre as personagens. Sua mãe desconfia do mal contato da energia elétrica da casa, entre outros sinais de estranheza, mas que não são levados adiante a fim de serem esclarecidas. O pai da outra família também reconhece que fazer planos leva sempre à frustração, mas não para de fazê-los.
A conclusão que chegamos é que há desejo de mudança, assim como há esforço, mas se a estrutura de funcionamento não se altera, não há mudança de fato. Então, se o filme puder ser de fato um alerta sobre nosso jeito de viver a vida, vale a pena nos perguntarmos:
1. Quais os padrões de funcionamento que estamos repetindo?
2. O que gostaríamos de mudar, mas seguimos adiante tentando saídas semelhantes?
3. Que sinais a vida pode estar nos dando sobre relações parasitárias e que estamos deixando de lado?
Sabe aquele ditado popular: “É melhor não mexer nesse vespeiro”? Pois é, o recado do filme é o contrário disso. Bong Joon Ho, diretor do filme, apresenta uma trama complexa, pegajosa, mas que pode ser revelada.
No desenrolar dessa história descobrimos que os nossos maiores parasitas podem ser nós mesmos, que vivemos ciclos repetidos de construção da mesma estrutura, mascarada com uma decoração diferente.
Como concretizar um processo de mudança?
Ora! Despender esforços para chegar em finalidades semelhantes, anuncia uma jornada repleta de ineficácia e ineficiência. E o filme revela que nossa percepção capta sinais de estranheza importantes, que podem nos dar pistas sobre a dinâmica das nossas relações. Mas para ir além da revelação e chegarmos a mudanças efetivas, precisamos parar de buscar culpados e começar a olhar para o que há na nossa estrutura que precisa ser transformado.
A mudança é o resultado do processo de transição de um estado ao outro, de forma que no próximo estágio já não se reconheça o estágio anterior. A exemplo da lagarta para a borboleta, são irreconhecíveis, tamanha a transformação estrutural. E quando se fala sobre mudança humana, há que se transformar o jeito de ser, para de fato efetivar uma mudança.
Mas ela só pode se efetivar com um humano disponível a abandonar seu jeito anterior. Agora você já sabe como ir além da angústia reveladora de parasita: abandonar seu antigo jeito de funcionar. Por mais brilhante que sua estratégia possa parecer, ela não está funcionando. Você pode deixar de ser hospedeiro para seus próprios parasitismos e viver um processo de mudança de estrutura, cultura e sistema e, quem sabe, assim contribuir para uma transformação social gradual.
Ninguém disse que seria fácil, mas ainda assim há rumores de que temos aonde ir. Como diria Paul Valléry “O que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?”
O processo de mudança é uma jornada que começa em nós. E como não vivemos sós, conte conosco como parceiros da sua jornada.
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