No início desta semana, vimos uma grande parte da nossa história natural e antropológica ser destruída pelas chamas. Imaginamos que não tenha sido fácil para você, assim como não foi para nós, entender o que estava acontecendo. Você não está sozinho nessa. O nosso pesar é o seu pesar, o nosso luto é o seu luto. Estamos sintonizados em uma mesma rede de luto nacional, com proporções mundiais. Afinal, um pedaço de cada um de nós foi queimado junto com o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Você gostaria de saber por quê?
Pois bem! Este foi um daqueles acidentes desastrosos da vida que, embora não tenha nos feito perder pessoas queridas, levou consigo a história viva dos nossos ancestrais. É claro que não estamos falando de ancestrais possíveis de serem registrados em uma árvore genealógica de papel. Estamos falando de antepassados longínquos que, por terem deixado as marcas das suas existências em objetos que foram cuidadosamente armazenados em um único lugar, nos deram a possibilidade de saber de onde viemos.
Isso mesmo! Estamos falando da perda de objetos que nos ajudavam a manter vivas as nossas raízes e identidade de algumas nações, inclusive a nossa, de latinos e brasileiros. Com eles por perto podíamos reconhecer, por exemplo, a herança genética de Luzia, o fóssil humano feminino mais antigo das Américas e identificar na nossa linguagem diária as origens portuguesas da nossa colonização. E agora só nos restam as memórias, os relatos compartilhados e a solidariedade para darmos continuidade a 200 anos de pesquisas que, certamente, não foram em vão.
Depois de termos vivido o desespero de assistir, de camarote, aos nossos pertences serem invadidos pelo fogo, sermos tomados pela desorientação cognitiva e mergulharmos em um profundo pesar, nos restou ansiar e procurar entre os escombros o que ainda existe.
Se por um lado estamos saboreando o gosto amargo da nossa tristeza, intercalada por uma raiva que nos incentiva a buscar pelos culpados, por outro lado, suspiramos aliviados quando sabemos que foi encontrado um documento, uma tela um pouco “chamuscada” ou fragmentos de um crânio que estavam próximos do local onde estava o crânio de Luzia.
Nasce a esperança e com ela o convívio com uma realidade que nos convida a enfrentar, elaborar e seguir adiante. Ela pede para nos despedirmos do que se foi, reconhecer o que ainda temos, fazer planos para o futuro e construir os novos rumos da nossa história. E isso nós já estamos fazendo, quando arregaçamos as mangas, colocamos a mão na massa e iniciamos a captação dos registros fotográficos de visitantes do museu para fazermos um acervo de imagens. Uma bela saída de um grupo de estudantes de museologia.
Provavelmente não poderemos mais deslizar pelos salões originais do palácio, mas poderemos honrar nossa história e construir um futuro humano, solidário e digno de orgulho para as novas gerações. Acreditamos que nossa história não morrerá, se usarmos nossas experiências, inclusive as de perda, para nos superar e construir um futuro cada vez melhor.