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O segredo para entender A Forma da Água

Nos últimos dias, mergulhei nos filmes indicados ao Oscar e seus significados. Eis que me surpreendi; o vencedor do maior prêmio de cinema do mundo foi “A Forma da Água”! Optar por um filme profundamente simbólico dentre os concorrentes que trouxeram, com qualidade, temas atuais e polêmicos, não foi uma escolha comum.

A Forma da Água (de Guillermo Del Toro) se passa na década de 1960, no auge da guerra fria, em um clima de perseguição velada. Elisa, uma zeladora muda, que trabalha em um laboratório militar secreto, desenvolveu um jeito particular de se relacionar com a vida. Limitada na voz, mas ilimitada na sensibilidade, descobre uma criatura mítica aprisionada para estudos no laboratório, com a qual se relaciona, enquanto busca libertar-se.

Em um contraste entre a razão e a sensibilidade, o filme apresenta a personagem de um Militar Rígido (Richard), que baseia suas atitudes em verdades pré-estabelecidas, na busca inalcançável pelo reconhecimento, muitas vezes cruel e necrosante. Um jeito de viver baseado na moral, na lógica e na busca pelo resultado, que torna as pessoas descartáveis e cegas para as possibilidades encantadoras da vida diante dos seus olhos.

Como uma caricatura do extremo oposto está Elisa que, por não ter expressão verbal, desenvolveu uma capacidade sensível que vai além das percepções básicas dos órgãos dos sentidos. Elisa recebe cada presente que sua sensibilidade permite tocar. Arte, música e dança lhe dão acesso a detalhes pouco comuns nas pessoas e no mundo.

Essa sensibilidade levou-a a reconhecer na criatura da água algo muito além do que parecia ser um monstro com garras. Experimentou um encontro com uma sensibilidade semelhante a sua, uma comunicação sensível e perfeitamente compreensível. Uma relação que convida a se deixar tocar e transcender os limites de tudo o que tem forma.

Duas gotas de água quando se encontram fundem-se inevitavelmente, tornando-se algo maior. A ausência de forma da água torna possível que tudo que ela toca e que seja fluido, se torne parte dela e ela parte do todo. O mesmo acontece com a sensibilidade humana. Gotas do que se podem ouvir, unindo-se a gotas do que se podem ver e a gotas do que se podem sentir na pele e no gosto, podem criar uma fusão que nenhuma razão pode explicar.

Pessoas altamente sensíveis, como Elisa, compõem cerca de 20% da população, segundo pesquisa da Dra. Elaine Aron. Essas pessoas apresentam, como característica, compreender a vida de forma profunda, saturar-se de excesso de estímulos lógico-formais, intensidade e sensibilidade à sutileza. Há correlações entre seus traços de personalidade e o funcionamento neuropsicológico, o que nos permite dizer que são características possíveis de serem desenvolvidas.

Há um filme escondido nas entrelinhas do roteiro que apenas pessoas sensíveis, que rompem com a hegemonia de uma vida racional, podem perceber. Se desejamos nos abrir para esse jeito sensível, talvez precisemos, à semelhança de Elisa, silenciarmo-nos, para perceber além das palavras. Apenas sentir o que a vida nos oferece pode nos fazer assumir a forma da água, tão fluida que se torna a soma de tudo o que toca.

Compreendo que o Oscar para esse filme representa o desejo das pessoas de irem além dos limites da lógica. Estamos cansados de andar em círculos através de análises e sínteses que levam a lugar algum. Pareceu-me um reconhecimento de que a humanidade caminha para um despertar da sensibilidade criativa como possibilidade de desenvolvimento.

Embora não tenhamos consciência plena disso, não parece que encontraremos a liberdade humana gritando pelo direito das minorias, quando cada pessoa carrega em sua sensibilidade a infinidade das possibilidades criativas.

Somos seres sensíveis, antes de sermos racionais e, por coincidência ou não, formados de 70% de água!

Maira Flôr

Maira Flôr

Psicóloga, CRP 12/08932

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