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É falta que se fala?

Recentemente tive acesso ao livro “A parte que falta”, do poeta, músico e ilustrador Shel Silverstein por meio de um vídeo da Jout Jout que está circulando na internet. Nesse livro infantil, o autor descreve a caminhada de um ser em busca da parte que falta e as aventuras que vive pelo caminho.

Acompanhei pelas mídias sociais como as pessoas se emocionaram e se reconheceram como alguém que vive buscando a parte que lhe falta. Por anos e anos me senti igual a essas pessoas. Mas, afinal, o que significa ir em busca de algo que nos completa? Parece que significa ir em busca de algo que acreditamos não existir em nós mesmos e que somente o outro poderá suprir.

É assim que passamos anos das nossas vidas, procurando “a outra metade da laranja” ou acreditando que “há sempre um chinelo velho para um pé cansado”. Pois é! Acreditamos no pressuposto da incompletude e, por isso, apostamos na complementaridade dos limites individuais para nos sentirmos menos incompletos. Consideramos que a parte que nos falta será suprida pela parte que existe no outro e torcemos para ter algo a oferecer que falte nele.

Será que essa é a única ou a melhor forma de viver? É para isso que servem as relações? Para suprir as nossas faltas? E o que é que nos falta?

Fui atrás dessas respostas e olhe o que encontrei. Descobri que nós não estamos acostumados a nos relacionarmos com a melhor parte de nós mesmos. Estranho, não é?

Percebi isso com maior intensidade nesse final de semana, em que passei compondo uma música com um grupo de amigos. Uma experiência nova e completamente singular. Afinal, não sei nada sobre teoria musical ou ainda sobre composição. Faltavam-me partes? Descobri que não.

Durante o processo de criação, fui tomada por um sentimento agradável de preenchimento. Bastaram alguns segundos para eu perceber que “nada me faltava”. Sentia-me inteira, apesar das minhas faltas. Não fiquei com vontade de preencher as minhas imperfeições com o pedacinho do outro. Muito pelo contrário, desejei integrar o que tinha de melhor em mim com o melhor do outro. Um momento de trocas mútuas, chamado pela psicologia de reciprocidade, geradora de crescimento para ambas as partes.

Veja só onde cheguei! Quando escolho abrir mão da minha parte incompleta e ofereço ao outro a melhor parte de mim, abro espaço para pensar fora da caixa, criar algo original e, enfim, tornar-me mais complexo do que era antes. E isso só é possível por meio do encontro recíproco de pessoas que não estão buscando a parte que lhes falta. Agora é com você, qual parte você quer dividir com as pessoas?

Doralina Enge Marcon

Doralina Enge Marcon

Psicóloga, CRP 12/10882

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