Passei a semana tentando compreender um pouco mais a forma como cada um de nós é afetado pela experiência de abuso sexual da criança. E, enquanto procurava, senti-me em um verdadeiro campo minado. Sabem por quê? Porque descobri que, independentemente do tipo ou do tamanho do nosso envolvimento em uma história como essa, sempre seremos afetados por ela.
Podemos ser um profissional competente, um parente dedicado, um amigo próximo, um ouvinte interessado ou, simplesmente, um observador. Não importa. Seremos atingidos pelo sofrimento das pessoas que viveram ou ainda vivem a experiência de abuso sexual na infância e ficaremos sem saber o que fazer quando nos depararmos com uma revelação desse nível.
Em momentos assim, somos tomados por um entorpecimento que nos impede de organizar as ideias e diminui a nossa capacidade de interagir com o fato de que um adulto reconhecido, legal e socialmente, como responsável por si mesmo e, consequentemente, pelos seus atos venha a se descontrolar ao ponto de abusar sexualmente de uma criança repetidas vezes, ao longo de anos.
Diante de uma realidade em que o silêncio aprisiona e o segredo angustia, pode ser extremamente útil compreender que o abuso sexual da criança, além de interagir com a linearidade do conceito de responsabilidade legal, alimenta-se da circularidade do conceito psicológico de participação ativa, frequentemente confundido com a responsabilização da criança pelo abuso.
Veja bem! Não estou dizendo que a criança tem algum tipo de responsabilidade por estar sendo abusada.
Na verdade, tal conceito nos ajuda a entender que, apesar da maioria das crianças não ter papel ativo no abuso sexual, estão, em algum nível, em relação com o seu abusador e é esse elemento relacional que faz com que a criança, mesmo exercendo o papel de vítima, participe da experiência que a faz sofrer. Assim, é o relacionamento existente entre a criança abusada e o seu abusador que fundamenta o significado da experiência emocional e explica porque algumas crianças sentem-se culpadas pelo abuso, embora não possam ser responsabilizadas pelos seus atos.
Isso quer dizer que, enquanto no aspecto legal apenas o adulto pode ser considerado culpado, no contexto psicológico, tanto a pessoa que cometeu o abuso como a criança abusada podem sentir-se culpados. Essa confusão é comumente reforçada pelo abusador quando induz a criança a acreditar que ela será responsável pelas consequências se revelar o abuso. Uma aliança nada saudável, que se fortalece em decorrência de um laço afetivo doentio, difícil de desatar.
Sei bem o quanto é difícil interagir com essas reflexões, sem cair na tentação de ser levado pela praticidade dos princípios legais que acusa e pune o responsável pelo abuso sexual. Mas precisamos cuidar para não negligenciarmos o fato de que por trás de toda crueldade existente no abuso sexual da criança existem pessoas que, ao se relacionarem de forma abusiva, anunciam suas dificuldades emocionais e a necessidade de serem cuidadas psicologicamente.
Por isso, fique atento! Quando estiver diante da revelação de abuso sexual da criança, pense sempre no sofrimento a mais que pode causar em nome do profissionalismo e do desejo de fazer justiça.