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Sobre ser esquisito

Ontem fui assistir ao filme Extraordinário” (https://www.youtube.com/watch?v=N_Vja0jbY7k). Muitas pessoas estavam postando, comentando e fiquei curiosa. Ele me fez pensar sobre diversos assuntos, mas confesso que refleti mais sobre como estamos nas relações com o que somos.

O personagem principal, Auggie, é um menino que nasceu com uma deformidade facial e passou por diversas cirurgias plásticas. Até os 10 anos de idade, foi educado pela mãe em casa, até que a família e ele decidem que entraria na escola, onde precisaria lidar com a reação do outro em relação à sua aparência. A partir daí o filme se desenrola sobre as relações que passam pela vida de Auggie.

O nome do filme faz referência ao quanto Auggie é mais que diferente. Extraordinário significa fora do comum; singular, raro ou esquisito; merecedor de admiração. Seu aspecto físico e seu jeito de lidar com as pessoas chamam a atenção de todos. Você já reparou o quando o diferente nos chama a atenção? Como o personagem do filme diz, “se o Chewbacca aparecesse no pátio da escola eu também encararia ele”. Encontrar o Chewbacca na escola é mais que diferente, é esquisito.

E você, já se sentiu incomum? Apesar de eu não ter nenhuma deformidade física, sempre me senti esquisita e nem sempre soube lidar muito bem com isso. Geralmente, quando nos percebemos fora do comum, procuramos nos sentir seguros em algo, como no conhecimento intelectual ou no humor, para que possamos diminuir a sensação de solidão e nos protegermos da imagem que o outro faz de nós mesmos. Auggie, por exemplo, desenvolve essas habilidades com a influência das suas relações mais próximas, e eu também tentei ir por esse caminho. A verdade é que no fundo alimentamos a vontade de sermos especiais, para recebermos o destaque por algo que consideramos positivo e, quem sabe, nossa esquisitice passar despercebida.

Quando somos os estranhos, temos a nítida sensação de que ninguém pode entender a dor sentida pelas situações vividas por ser assim. Diante disso, corremos o risco de nos preocuparmos tanto com as nossas dificuldades, que fica difícil ver as dores e dificuldades do outro. Você já reparou o que provoca nas suas relações o jeito que você lida consigo mesmo? Quanto mais vergonha de nós mesmos, mais afastados das relações ficamos. Quanto mais dificuldade de lidarmos conosco, mais difícil fica para as pessoas ao nosso redor se aproximarem, pois não permitimos e nos enchemos de defesas. Todas as vezes que tive vergonha de mim, mais sozinha me senti, e sempre que resolvia lidar com quem eu era, sem o peso da vergonha, mais pessoas estavam ao meu redor, querendo estar comigo.

Desejamos afetar o outro de forma positiva, e desejamos nos afetar de forma positiva com quem somos. Não nascemos com uma consideração positiva ou negativa de nós mesmos, desenvolvemos ao longo da vida, assim como a consideração pelo outro. Confiar que estamos sendo o nosso melhor e somos dignos de consideração, ajuda-nos a perceber que o retorno das pessoas a nosso respeito contribui para que possamos crescer, ao invés de ser motivo de vergonha.

O problema não é ser esquisito, mas o que você faz com o que você é, pois não se deixa de ser esquisito. Passamos a assumir e ser cada vez mais nós mesmos. O que faz de nós incríveis e felizes nas nossas relações é a entrega sem defesas.

Esse é o caminho para que se possa lidar consigo mesmo e com o outro. Eu decidi ser cada vez mais o que sou, e você?

Doralina Enge Marcon

Doralina Enge Marcon

Psicóloga, CRP 12/10882

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