Temos a liberdade interna necessária para refazer o roteiro de nossas vidas? Estamos presos a destinos preestabelecidos? A família, a sociedade e as emoções confusas que internalizamos comandam nosso caminho e sua continuidade? O roteiro continua nos cabendo? E se não couber mais, podemos revisitá-lo? Modificá-lo? Em alguns momentos de minha existência, algumas dessas perguntas me atravessaram densamente.
Volto à infância. Sinto a presença dos meus pais e dos meus avós. Estar com eles era sentir-me amada e cuidada. Essas sensações foram me construindo e fazem parte de mim e das minhas escolhas. Sensações de conforto e saudades chegam aqui e agora.
Mergulho nas memórias da adolescência… Que período confuso! Faz muito tempo, mas sinto agora como foi angustiante, solitária e sonhadora essa fase para mim. Momento do desenvolvimento da capacidade do pensamento abstrato e do raciocínio científico, da busca pela identidade social, emocional e sexual. Das primeiras relações amorosas e da escolha profissional. Que agonia e tensão! Em pleno desenvolvimento sexual e emocional precisarmos escolher com o que iremos trabalhar pelo resto de nossas vidas? É um tiro no escuro! Quando precisei fazer essa escolha, usei como referência o resultado de um teste psicológico – aptidão para humanas -, minha natureza calada e observadora, além de uma grande paixão pela leitura. Lá estava eu, então, a preencher o roteiro da minha vida ao escolher cursar Psicologia.
Há dez anos cheguei à meia idade, mas não havia me dado conta. Essa é uma fase que pode ser comparada com a adolescência, em intensidade e profundidade. E de acordo com os estudos a respeito do desenvolvimento humano e suas fases, é na meia idade que, oficialmente, a vida nos chama a reavaliar o roteiro.
A existência nos convida a fazer escolhas afetivas, sociais, espirituais… E a rota vai se realizando e nos levando para lugares escolhidos com alguma consciência ou envoltos em nuvens, emocionais ou sociais, alheias a nossa real vontade.
Nunca chegamos, então, ao ponto final do nosso desenvolvimento. Passamos por várias etapas, que começam com nossa fecundação e acabam com nossa morte. Cada um de nós está passando por uma delas e pode estar sentindo a necessidade de rever o próprio roteiro. Que desafio!
Quando o que está estabelecido, em qualquer fase, sofre um questionamento, podemos nos sentir invadidos por sensações de medo e insegurança. Os processos de mudança são difíceis e mexem com nossa identidade. Mudar, alterar, deslocar, trocar por, trocar de, dar outra direção… Quanto movimento! Sim, tomar novas decisões é um processo muito desafiador. É romper com o que está posto, dito, feito, definido… Mudar de profissão, cidade, país. Muitas vezes é algo ou alguém que está em nossas vidas há tanto tempo, que já foi tão prazeroso, mas que atualmente é tedioso e sem cor. Outras vezes, precisamos alterar nossa rota em função de algo inesperado, como uma doença, morte de alguém próximo ou perda de emprego.
Mas calma. Noutros sentidos, alterar o roteiro pode ser simplesmente reservar mais tempo para tomar um café da manhã sem pressa, poder apreciar um fim de tarde, ler um livro qualquer.
Ainda assim, mudar o roteiro nunca é algo banal. É mexer com nossa própria identidade. A outra opção, não menos desgastante, é negar o que se apresenta e ficar onde sempre estivemos… Vencemos a inquietação ou ela nos vence?
É preciso muita coragem, apoio e aprofundamento para vivermos mudanças de roteiro de uma forma consciente e segura. Em todos os momentos que precisei dar outro significado e outra direção ao meu roteiro, o apoio das pessoas significativas e processos de autoconhecimento foram essenciais. Ao longo desse último ano participei de muitos processos de grupo, momentos vivenciais e de aprofundamento teórico, que me fizeram entrar em contato profundo com minhas escolhas. Mergulhei em mim mesma e encontrei lugares cheios de paz, alguns inquietos e outros acomodados. Esse processo de autoavaliação tornou-se ainda mais especial por ser este um ano emblemático para mim, o ano do meu cinquentenário. Sim, meio século de vida… De roteiro vivido! E ainda assim, com tanta história escrita, me vejo aberta a revisitar e mudar o que vai ser escrito daqui pra frente.
Sou psicóloga, psicoterapeuta da Abordagem Centrada na Pessoa. Sou realizada com minha carreira, mas, vejam só: aqui estou eu escrevendo um texto sobre minhas percepções e sensações e, pela primeira vez, compartilhando com vocês!! Pode parecer um simples texto, mas para mim é uma mudança, pois expor publicamente inquietações pessoais é muito diferente do que considero, até aqui, como minha identidade. Sim, é uma mudança no meu roteiro de vida!
Podemos rever o roteiro de nossas vidas, conquistar a liberdade interna necessária para tal e tomar suas rédeas, em qualquer etapa de nosso desenvolvimento, a qualquer momento. Estou intensamente nesse processo. E você, tem revisitado o seu roteiro?