Por mais estranho que possa parecer, dessa vez não foi nada fácil escolher sobre o que eu gostaria de escrever. Confesso que não é muito comum acontecer comigo. Normalmente, consigo com certa facilidade localizar algo que faça parte de mim e que eu gostaria de compartilhar com as pessoas.
Há pouco tempo, a proximidade do dia dos finados teria me despertado o desejo de refletir sobre as perdas de pessoas queridas, o sofrimento que nasce da ausência física e a saudade daqueles momentos prazerosos que não se repetirão.
Alguns minutos em silêncio foram suficientes para eu perceber que não faria sentido escrever sobre a perda do outro, enquanto o que estou vivendo no momento é um processo que vai dar na perda de uma das melhores partes de mim: a minha vida adulta.
Hoje sou capaz de reconhecer: vivi intensamente esse período da minha vida. Saboreei cada minuto da existência. Fui atrás do meu conceito de mundo, de um estilo de vida e de um modelo de mulher que me representasse. Creio ter aproveitado todas as conquistas que me levaram em direção à autonomia.
Diferente de muitas mulheres da minha geração, o centro das atenções não estava nem no que os outros falariam a meu respeito e nem tão pouco no que os outros poderiam querer de mim. Eu sabia que, independentemente de qualquer coisa que eu pudesse fazer, falariam o que quisessem e pediriam o que desejassem. Eu não tinha dúvida de que não poderia evitar essa intromissão, mas tinha a convicção de que poderia impedir que os outros, repletos de valores morais, ditassem o rumo da minha vida e da construção interna que fiz.
Foi assim que, guiada por uma confiança interna, me casei com a pessoa que amava, apesar das contrariedades sociais, estreitei laços com familiares, amigos e profissionais que respeitavam o meu processo e partilhavam do meu crescimento em direção à maturidade.
Cultivei mestres que me ensinaram a importância da proatividade e ajudaram a desenvolver a habilidade de encontrar diversas maneiras para resolver um problema ou executar uma ação. Ao lado deles, aprendi, e ainda tenho aprendido, a superar minhas expectativas iniciais e a me antecipar às situações.
Foram horas a fio de muita dedicação na construção de mim mesma como pessoa e profissional, até tornar-me uma pessoa autônoma, capaz de me autodeterminar segundo as minhas referências, que apesar de singulares nunca foram incompatíveis com as dos outros.
Eu olho para minha história e fico satisfeita com o que eu realizei. Mas agora é hora de seguir em frente.
Minhas experiências mais recentes têm me mostrado que não sou mais a mesma mulher de alguns anos atrás. E não pensem que eu estou falando daquelas pequenas mudanças que ocorrem, fruto das nossas aprendizagens do dia a dia. Estou falando da mudança que prepara para viver a última fase do meu ciclo vital. Algo que podemos chamar “envelhescência”. Já ouviram falar nesse termo? É utilizado por Manoel Berlink para caracterizar o momento em que nos preparamos para viver a velhice.
Quando olho no espelho vejo que o meu corpo não tem mais o mesmo formato de alguns anos atrás. Apesar de ter um corpo muito flexível, meu equilíbrio já não é mais o mesmo e começo a reconhecer que daqui para frente, se eu quiser continuar participando de algumas atividades que me dão muito prazer, terei que exercitá-lo. Meus cabelos estão embranquecendo, a pele passou a ter uma nova textura e o rosto está com uma nova apresentação.
Em contrapartida, tenho aprendido que respeitar o novo ritmo, passar um creme no corpo, fazer pilates regularmente e aplicar vitamina na face é um momento de encontro pessoal , capaz de gerar sensações que vale a pena cultivar.
Quando olho para o mundo, vejo que não enxergo, já há algum tempo, a realidade física com nitidez e a memória não é mais a mesma, mas em contrapartida ganhei a possibilidade de interagir intensamente com o meu mundo sensível e do outro também.
O que mais? Eu ainda não sei… Vou ter que viver para saber.
Afinal, perdas e ganhos é só uma questão de ponto de vista.
Eu continuo muito interessada em descobrir algo novo sobre mim mesmo. E você?