Há tempos tenho me percebido chocada com as barbáries sociais que temos nos dado o direito de cometer contra a nossa espécie, em prol de um conceito ou uma ideia.
Não é de hoje que utilizamos os recursos da razão para defender uma concepção de mundo, um ideal de ser humano e um jeito de viver.
Exercitamos tanto nossa lógica racional que transformamos nossos pensamentos em verdades absolutas e desconsideramos as pessoas que pensam e agem de maneira diferente de nós.
E o pior de tudo isso é que, até nos momentos em que estamos defendendo um pensamento que supostamente estaria a serviço da preservação da humanidade, destruímos algo que faz parte de mim, faz parte de você, faz parte de todos nós.
Nossos dias têm sido assim, repletos de dilemas que carregam o peso do argumento formado por duas proposições contrárias entre si, mutuamente excludentes, cuja escolha resultará, invariavelmente, em alguma insatisfação.
É assim que nos sentimos sem saída, passamos a ser os nossos medos, ansiedades e angústias, nos transformamos em pessoas irritadas, intolerantes e capazes de cometer atrocidades com o nosso semelhante.
Viver assim não tem sido nada fácil!
Tenho encontrado pessoas ditando novos rumos, ouvido pessoas denunciando retrocessos e sentido a presença de sofrimento humano vindo de todos os lados, tanto no momento em que exercemos o papel de opressor, muitas vezes sem perceber, o quanto, no momento em que praticamos o papel do oprimido.
Infelizmente, os dias têm sido assim… Já não conseguimos perceber tão claramente, como tempos atrás, quem é quem. Por vezes, encontramos em uma mesma pessoa, ora atitude de opressor, ora de oprimido. Qualquer um pode se tornar alvo de humilhação, por diversos motivos e de forma indiscriminada.
Agredir, insultar, expor, ridicularizar, constranger e inferiorizar são verbos que passaram a fazer parte do nosso dia a dia com uma frequência e intensidade assustadoras. Já não é novidade para nenhum de nós a ocorrência de zombarias leves ou piadas que admitem a reciprocidade, pois quem zomba hoje pode ser vítima de zombaria amanhã. Assim como não é novidade para ninguém o aumento indiscriminado de sarcasmos, mesmo os leves, em que apenas uma pessoa é ridicularizada de forma continuada.
Os inúmeros vexames que somos obrigados a viver em diferentes contextos e formatos, fruto da desigualdade e dos preconceitos geradores de injustiça sociais, têm nos levado a conviver com sentimentos de indignação e de desesperança. Será que existe alguma saída para essa tragédia humana anunciada?
Eu acredito que sim, porque não creio que uma humanidade inteira esteja sendo levada pelo desrespeito humano. Considero, assim como Rogers (1987), que é possível reconhecer: “em nossa cultura decadente esboços confusos de um novo crescimento, através do aparecimento de um novo tipo de pessoa, emergindo das folhas e talos mortos, amarelados, apodrecidos de nossas instituições enfraquecidas”.
Estamos falando de pessoas que se interessam por pessoas, que desejam contribuir com o desenvolvimento do seu semelhante e que almejam viver relacionamentos mais pessoais, nos quais predomine a relação olho no olho e as autoridades sejam criadas apenas para atingir um objetivo; que se reconhecem como um processo, desejam acessar seus sentimentos mais profundos e não se assustam com as suas limitações. Muito pelo contrário, fazem dos seus limites um caminho de superações e crescimento pessoal.
Estamos falando de pessoas que estão dispostas a viver as diferentes facetas da vida: gostos e desgostos, alegrias e tristezas, amores e raivas, afetos e desafetos, acertos e erros, porque acreditam que essa é a única forma de descobrir quem somos e o que somos capazes de fazer para garantir a realização humana.
Estamos falando de pessoas que acreditam no impossível.
Eu acredito no impossível e creio que “…os restos apodrecidos de uma planta neste ano serão a cobertura sob a qual novos brotos poderão ser descobertos no ano que vem” (Rogers, 1987)..
E você?