Ultimamente, tenho me sentido atropelada pela velocidade e intensidade das transformações da vida. Há tanto movimento, a ponto de parecer que o meu processamento cerebral se atrapalha. Na tentativa de me atualizar, costumo fazer algumas reflexões sobre os desafios que estamos enfrentando e, desta vez, encontrei as questões de gênero. Estamos avançando em possibilidades e precisamos reconsiderar o que conhecemos e compreendemos sobre desenvolvimento humano e seus processos.
O movimento LGBT (sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) vem abrindo caminhos há anos para as diferentes combinações entre questões de identidades de gênero e de orientação sexual e afetiva. Sendo que identidade de gênero diz respeito a como a pessoa percebe sua identidade em interação com as características orgânicas e sociais. Já orientação sexual e afetiva diz respeito à forma como a pessoa desenvolve sua sexualidade e afetividade nas relações amorosas. As categorias de gênero tradicionais, masculino e feminino, e de orientação heterossexual ou heteroafetiva já não contemplam nossa realidade há séculos.
Perguntei-me em qual categoria de gênero me encaixo? Qual é mesmo minha orientação sexual e afetiva? Dei-me conta de que não me questiono sobre isso porque minha identidade e orientação são as tradicionais. Mas e se não fossem? Reconheci o dilema de quem vive uma incompatibilidade de identidade ou de orientação.
Imagine olhando-se no espelho, reconhecendo seu corpo e traços, sentindo seu cheiro e sendo invadido por uma sensação de que aquele não é você. Esta é a sensação que as pessoas com incompatibilidade de gênero descrevem. O impacto inicial de alguém apresentando sua identidade de gênero completamente diferente das características de seu corpo, é forte e carregado de angústia e sofrimento significativo.
Por outro lado, também é genuíno o dilema de muitos familiares e amigos, que se perguntam como compreender que uma pessoa com a qual convivem por anos não será mais chamada pelo seu nome e não terá mais a mesma imagem. Essa realidade requer uma abertura que pode ultrapassar os limites de empatia de algumas pessoas. Percebi que muitos desejam incluir e abandonar preconceitos, no entanto, sentem dificuldade para interagir e se adaptar às transformações da realidade que estamos vivendo. Essa dificuldade também traz angústia e sofrimento genuíno, que precisa ser considerado.
Se observarmos com cautela, vamos perceber que até nossa linguagem precisa de adaptações, os pronomes pessoais ele ou ela; assim como os artigos o ou a, não são mais suficientes para nos referirmos às pessoas em suas singularidades. Como vamos pensar em uma mudança de realidade se continuamos polarizando a humanidade em extremidades? Somos mais do que um OU outro, somo um E outro. Apenas o “nós” permanece representativo do que de fato somos, ou seja, pessoas.
É de fato uma transformação que nos lança para a magnitude da capacidade humana. Já passamos por muitas transformações enquanto espécie, esta é mais uma.
A síntese de todas essas reflexões talvez esteja no prefixo: TRANS. A vida moderna se apropriou do TRANS como característica. Estamos todos aprendendo a TRANSformar nossas compreensões e a TRANScender nossos limites. Entre tropeços e acertos, vamos avançando e reconhecendo que, em algum nível, todos vivemos processos de transformação. E se estivermos abertos para nos reconhecer apenas como seres humanos, talvez possamos expandir nossa capacidade empática. O que há de TRANS em você? Vamos conversar?