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Psicologia: a arte de promover encontros

A proximidade do dia 27 de Agosto, data em que comemoramos o reconhecimento da psicologia como ciência e profissão, despertou em mim o desejo de repensar o significado e a função da psicologia na vida das pessoas. Depois de algumas décadas dedicada a esta profissão, sinto-me pronta para responder algumas perguntas que me acompanham desde o início da minha formação.

Quando ingressei no curso de psicologia, eu era uma jovem de cabelos cheios e cacheados, que adorava usar jeans Lee envelhecido. Como filha de uma família que viveu as intempéries da ditadura carioca, aprendi a ser muito observadora, sensível ao sofrimento humano e encantada com a possibilidade de cuidar das dores psicológicas que assolavam a nossa sociedade.

Acreditava na nossa capacidade de enfrentar os problemas, apesar de reconhecer que nem todos sabiam como superá-los. Tudo o que eu mais queria era aprender a ajudar as pessoas conquistarem o seu bem-estar. Passava horas me imaginando ao lado de um professor que me ensinava como prestar uma assistência psicológica de excelência.

Diante de tanta ingenuidade juvenil, vocês podem imaginar o tamanho da minha surpresa quando descobri, algum tempo depois, que a psicologia não foi legitimada como ciência e profissão porque tinha um conjunto de instrumentos estruturado de trabalho, uma representação coletiva ou, ainda, uma consciência social. Ela foi validada pelo Congresso Nacional, que durante o exercício da sua função de propor, analisar, discutir, votar e aprovar as leis, achou por bem construir um Projeto de Lei para ser submetido à aprovação do Poder executivo.

Como assim? Eu me perguntava. Como uma profissão de ajuda pode ter sido legitimada por uma mente humana que mais observa do quê vive?

Se, por um lado, essa consciência foi um banho de água fria nas minhas ilusões, por outro, ela me fez compreender que a distância entre as descobertas científicas e a utilização desses recursos pela sociedade existe porque as pessoas não sabem o que um psicólogo faz. Como aproveitar os benefícios desse saber se as pessoas comuns não entendem para que serve? Como confiar na efetividade de uma profissão que não nasceu do diálogo com as necessidades humanas?

O fato dessa entre outras perguntas não ter sido respondida com eficiência, gerou uma representação social equivocada, predominante até hoje, de que os psicólogos têm o poder de adivinhar o que se passa na cabeça das pessoas, de que ele está a serviço de escutar as queixas emocionais para no final dizer o que é preciso fazer para acabar com o mal-estar, ou ainda, de ser um atendimento para louco.

Não foram poucas vezes que ouvi um conhecido dizer: Ai meu Deus!!! Você estava esse tempo todo me analisando, né? Diz aí, o que você achou de mim? Ou um cliente me perguntar: “O que devo fazer?”, “o meu caso é grave?”, “você já atendeu outras pessoas com essa mesma dificuldade”, “o meu problema tem solução?”, “o que sinto tem cura?”.

Muito temos feito para estreitar a distância entre o saber científico, a profissão e a sociedade, mas o caminho é longo e ainda temos muito a fazer.

Minha perspectiva centrada na pessoa entende que uma aproximação mais efetiva só será possível quando a psicologia estiver a serviço de promover, no indivíduo, o resgate da sua capacidade de buscar e encontrar solução para as suas dificuldades psicológicas. Mas para que isso aconteça será necessário que ele saia do seu lugar de suposto saber, para se colocar ao lado da pessoa que vive e significa a sua experiência de forma singular.

Estou falando da necessidade de construirmos com quem precisa de ajuda uma relação que se faz, em primeira instância, de pessoa para pessoa. Quero dizer com isso que todas as teorias que desenvolvemos ao longo da história da psicologia não foram capazes e nunca serão de nos mostrar quem somos. Somente uma relação que tenha como base o encontro entre duas pessoas, terá a capacidade de escutar o pedido daqueles que se encontram aprisionados nos determinantes socioculturais.

Hoje não desconsidero todo o conhecimento acumulado, mas tenho a impressão de que a nossa maior missão é promover, em cada um que nos procura, uma maior consciência de si mesmo, uma melhor apreciação dos significados pessoais e uma maior expressão pessoal. E isso porque apenas o resgate desses três poderes pessoais nos ajudarão a reconhecer que o lugar do julgamento e o centro de responsabilização da vida não está no outro, está em nós mesmos.

Vamos tentar?

Anita Bacellar

Anita Bacellar

Responsável Técnica, CRP 12/01329

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