Faz algum tempo que quando estou com os amigos em algum jantar ou comemoração, peço dois copos. Um para compartilhar a cerveja ou vinho e outro geralmente com um suco. As pessoas acham estranho, mas é que gosto tanto da sensação de saúde que o suco traz, quanto da leveza e descontração que o álcool desencadeia. O fato é que sinto duas necessidades, e uma delas está diretamente ligada a me sentir mais a vontade com as pessoas.
Fico me perguntando, como foi que aprendi a usar o efeito do álcool para relaxar? O que encontro como resposta é que na adolescência todas as situações de diversão envolviam de algum modo o consumo do álcool. Fora das festas estávamos entrando no mundo das responsabilidades e dos altos desempenhos, onde era preciso desenvolver cada vez mais uma postura segura, madura. Mas, no sentido oposto, nos momentos de descontração com os amigos, a expectativa que pairava era que, quanto mais ousados fossemos, melhor. Valia beber muito, e se passássemos do limite “tudo bem, estávamos bêbados”, ou seja, aquele não era o nosso jeito real, estávamos apenas nos divertindo.
Foram momentos nos quais senti que tudo bem ser atrapalhada, tropeçar, deixar cair objetos, falar bobagem, cometer uma gafe. Ninguém ia me julgar. Além disso, minhas habilidades pareciam se ampliar, sentia como se minha fala fosse mais fluente, clara e coerente do que o comum, que tinha coragem para me aproximar de pessoas a quem nem sequer dirigiria o olhar se estivesse sóbria. Eram os momentos em que os julgamentos tornavam-se líquidos e eram digeridos junto com a bebida. Sentíamos uma liberdade gostosa e compartilhada para sermos nós mesmos.
Mas em que situação aquilo tudo nos colocava? Passa a adolescência e na vida adulta diária mergulhamos nos afazeres e compromissos, esperando pelos happy hours para relaxar, rir e nos divertirmos. Mas porque precisamos de algo externo para nos sentir mais à vontade? Aprendemos que para certas extravagâncias só temos permissão social em algumas ocasiões.
Parece tudo certo nessa dinâmica quando a vida diária traz realização, os pesos se diluem na sensação de conquista e nas comemorações e happy hours esporádicos. Mas e quando a vida traz dificuldades intensas, ou quando a pessoa desenvolve pouca tolerância às frustrações? Essas são algumas situações nas quais os momentos de embriaguez tornam-se desejos recorrentes. Entorpecer-se parece uma alternativa para algumas pessoas, embora seja ineficiente para a resolução dos problemas.
A questão é que essa sensação de desconexão com a realidade que o uso rotineiro do álcool pode trazer vai se tornando insaciável. Associar o uso do cigarro e outras drogas também pode parecer uma alternativa ainda mais potente para produzir uma realidade mais fácil de conviver. É quando aquela sensação de permissão subliminar que o uso do álcool traz é substituída por uma prática ilícita, com exposição gradual a riscos.
Maconha, Extasy, Cocaína são as mais comuns depois do álcool e do cigarro. Cada uma delas traz sensações diferentes, relaxantes, alucinógenas, estimulantes, a variação é grande e satisfaz aos mais diversos gostos.
Quando adolescente, eu tinha um grupo de amigos dos mais variados perfis. Alguns surfistas, outros mauricinhos e os alternativos. Tínhamos um grupo com muitas pessoas diferentes entre si, o que gerava desconfiança e questionamentos nos pais sobre a segurança de sairmos juntos, sobre se éramos boas influências uns para os outros. Naquela fase, ouvia frequentemente uma frase do meu pai, que dizia, bravo: “Essa molecada deve fumar cocaína e cheirar maconha!”. Enquanto ria a ponto da barriga doer, tudo que eu pensava era que ele não entendia nada sobre o assunto. Mas, ao mesmo tempo, a voz forte dele me deixava com uma sensação clara de que aquilo era mesmo perigoso.
A voz forte do meu pai funcionou. Não me influenciei pelo uso de drogas, mas muitos dos meus amigos se influenciaram. Poderia mesmo ter sido eu uma daquelas pessoas. Para muitos, o uso recreativo deu lugar ao uso abusivo e, depois, aquela dependência que era psicológica, tornou-se química ao ponto de se envolverem em questões criminais e alguns deles já não estão mais vivos.
Havia algo em comum naqueles amigos que se foram, tinham pouca tolerância às frustrações, não lidavam bem com as perdas e alguns se isolavam socialmente. Diante das dificuldades da vida, que muitas vezes são intensas, podemos recorrer ao uso abusivo de qualquer substância. Do uso progressivo, até o experimentar de uma substância altamente viciante como crack, pode haver um curto espaço de tempo. Muitas vezes, quando se torna perceptível, o prejuízo já é devastador.
Em contato com essas pessoas e depois na vida profissional, tenho percebido que se desejamos ajudar nossos adolescentes a não encontrar no abuso de substâncias uma saída para suas dificuldades, precisamos dar vazão à sua necessidade de serem eles mesmos, com suas habilidades e dificuldades. As pessoas estão sedentas por relações presentes e por espaços em que sejam valorizadas pelo que elas são, onde possam encontrar formas de viver que contemplem seus sentimentos e anseios por realização.
Estar presente nas relações pode ser nossa maior contribuição para a prevenção dessa realidade. Os efeitos de uma relação de respeito, compreensão e consideração podem trazer uma sensação de bem estar mais intensa e aconchegante do que qualquer substância química. Ter pessoas por perto que eram capazes de me compreender como eu era , com minhas trapalhadas e conversas filosóficas, fez toda a diferença.
E você, está aberto para aceitar as pessoas como são?