Um dia desses vi um filme chamado “Bagdad Café”, que mexeu muito comigo. Nele, uma turista alemã, Jasmin (atriz Marianne Sägebrecht) briga com o marido na estrada do deserto do Arizona (EUA) e se hospeda em um hotel localizado num posto de gasolina. A partir daí, Jasmin, começa a interagir e se relacionar com o jeito de ser de cada pessoa que mora no lugar. O filme passa muitas mensagens incríveis, mas uma das que me chamou mais a atenção foi a insatisfação dos moradores com a vida que levavam e o respectivo processo de transformação.
A minha sensação inicial era de personagens feias, o lugar insuportável e situações agoniantes, afinal, os descontentamentos gritavam! Mas, no desenrolar da história, Jasmin começa a trabalhar as insatisfações e toma forma um processo de mudança. Foi aí que a minha sensação também mudou, passei a achar as pessoas lindas, o lugar agradável e as situações deixaram de transmitir desconforto
Parei para pensar, então, o quanto constantemente me sinto insatisfeita com o que sou e o que vivo. Sempre há algo que me incomoda! Penso: “deveria ser mais paciente”; outras vezes “deveria ser mais extrovertida”; ou ainda “porque não consigo lidar com isso?”. Parece que nunca é suficiente sermos quem somos!
Esse desagrado, é claro, aparece também quando lidamos com nosso corpo, e ultimamente ando refletindo sobre a relação que temos com a nossa imagem corporal…. Na verdade, refleti sobre isso a vida inteira! Eu e você, não é mesmo? Afinal, o mundo se relaciona com a imagem que transmitimos pelas redes sociais, através de curtidas nas nossas postagens, visualizações dos vídeos que mostramos, comentários sobre as fotos que registramos. Acaba sendo uma verdadeira disputa conseguir o maior alcance possível.

E assim vivemos uma vida de desagrados e a saída que encontramos é consertar o que reconhecemos como imperfeito. Mas quando conseguimos deixar a pele boa, o nariz precisa de cirurgia, depois a barriga precisa diminuir, mas então o peito fica desproporcional e depois as pernas com celulite… E a sensação de que não está bom o suficiente não acaba nunca, e o risco é o de não nos reconhecermos mais diante de tantas mudanças.
Se, por um lado, nos relacionamos com uma imagem imperfeita refletida no espelho, por outro, é bem possível que nos larguemos ao abandono, descuidando do nosso corpo e convivendo com o desconforto pessoal.
Infelizmente, essas duas atitudes não ajudam a superar as insatisfações com o nosso corpo: enquanto uma deseja que o motivo das insatisfações desapareça, a outra se acomoda e pensa “dane-se! Não quero olhar para isso”. Seja qual for a atitude adotada, o resultado é a angústia com a imagem corporal refletida. Não importa o que se veja no espelho, não conheço ninguém satisfeito consigo mesmo. E isso vale até para as pessoas que nos parecem perfeitas, ou para os que dizem adorar o que são. É só chegar bem pertinho do coração para ver que algo incomoda.
Se de fato estamos insatisfeitos com o que somos, o que nos resta? Parece que a saída é assumir o desconforto e o fato de que não vamos ter o rosto, nem o corpo e nem o jeito que desejaríamos. Quanto mais me permito ser quem sou, mais descubro como posso ser eficaz com minha própria imagem.

Outro dia fui a uma festa e estava completamente deslocada, porque vestia roupa totalmente diferente da proposta do lugar. Meu desconforto fazia com que eu me sentisse feia, completamente inadequada e eu não tinha ideia do que fazer com aquilo. De início, tinha certeza de que seriam algumas horas de puro desastre e estava tão convicta, que me permiti não prestar mais atenção na roupa que vestia, no jeito que dançava e aproveitar para cantar as músicas que eu sabia. Quem me visse, conseguiria dizer: essa é a Dora. E quer saber? Foi a festa mais incrível da minha vida! Sendo eu, com as insatisfações pessoais, mas muito presente.
A cada dia que passa, percebo que ao me sentir confortável comigo, deixo de me preocupar com o que os outros vão pensar de mim. Olhar no espelho não parece mais um problema e tudo bem eu não conseguir lidar com todas as situações que aparecem! Essa liberdade de ser me provoca mais mudanças do que antes, quando queria a todo custo ser outra pessoa. Quanto mais lido com quem sou, vejo mais crescimento em mim, me surpreendo e faço as pazes mais rápido comigo! Transformo-me em uma pessoa em desenvolvimento e admiro o respeito e a consideração do outro sobre mim.
Pensei tanto sobre isso a vida inteira e já fiquei tão insatisfeita comigo, que hoje escolho interagir o que tenho de imperfeito e aproveitar o que tenho de bom. E você, o que faz com o que é?