Certo dia, eu estava caminhando pelo calçadão, no centro da cidade, e decidi aproveitar o tempo de sobra para prestar atenção ao que estava acontecendo ao meu redor. De imediato senti um calor agradável do sol aquecendo o meu corpo na medida certa e uma enorme sensação de bem-estar vinda da fragrância suave do cheiro da terra molhada. E com um sorriso no rosto concluí: os dias de outono são assim, repletos de sensações agradáveis.
Mas como a vida concreta não se faz apenas do frescor dessas sensações, logo percebi que ao meu redor tinha um intenso fluxo de pessoas, caminhando rapidamente, de um lado para o outro, tão envolvidas em si mesmas que não conseguiam ser tocadas afetivamente pela inquietação de um senhor que estava parado em frente à calçada, esperando uma oportunidade para sair da rua. E, desconfortável com o que via, cheguei à conclusão de que os nossos dias são assim, repletos de movimentos, sons e cores que nem sempre captamos, nem sempre nos importamos.
Enquanto interagia com o meu incômodo, senti o meu celular vibrar junto ao meu corpo e rapidamente reconheci a sua capacidade de me tirar a atenção do que a vida tinha de mais sólido e efetivo para me oferecer. De súbito reconheci que acontecimentos como esse são comuns na minha vida e que viver esses impasses, nos dias de hoje, faz parte de cada um de nós.
Por mais que eu queira contestar ou duelar contra isso, a verdade é que existe outro ambiente, muitas vezes mais fascinante e encantador do que o real, conhecido por todos, que nos chama para viver uma existência aparente, repleta de sensações e emoções oriundas das experiências virtuais. Um universo paralelo, que concorre, diretamente, com a vida real e que nos faz reféns da decisão de sair ou ficar no mundo das experiências e sentidos reais
Não demorei para perceber que o mundo virtual nos leva a acreditar que, todas as vezes que recebemos o seu chamado, devemos fazer algo com o máximo de rapidez, sob pena de corrermos riscos sérios. Você deve saber sobre o que eu estou falando, porque nós sabemos que nossos dias são assim: repletos de urgências. Algumas delas nem vemos, mas sentimos. E como sentimos!!!
Agora mesmo, por exemplo, enquanto escrevo esse texto, estou me esforçando para não ser arrancada completamente do meu raciocínio. Incomoda-me pensar na possibilidade de que alguma mensagem tenha que ser respondida em caráter de urgência, e isso me coloca em um estado de alerta que me dificulta mergulhar plenamente em meus pensamentos. Ufa! Chega a ser cansativo.
Mas de onde vem esse estado de urgência se, na verdade, na maioria das vezes a urgência não se apresenta na realidade?
Sou de uma época em que as correspondências respeitavam os limites das linhas de um papel de carta, os conhecimentos cabiam dentro de uma enciclopédia impressa em vários volumes e sabíamos que para estudar precisávamos frequentar uma sala de aula, repleta de carteiras e um quadro escrito com giz.
Não faz muito tempo que vivi a experiência de me incomodar com o aumento da conta do telefone porque meu filho tinha muito o que conversar com seus amigos e namorada. Lembro-me bem dos acordos que instituímos, nem sempre eficientes para diminuir os impulsos da fatura telefônica.
Lembranças, muitas lembranças de um tempo em que nosso mundo tinha fronteiras. Confesso que todos esses contornos me causavam uma agradável sensação de tranquilidade, vinda da convicção de saber o que fazer e de saber onde estava pisando. Agora, os tempos mudaram, as fronteiras se foram e o céu passou a ser o limite.
E nós? Bem, não sabemos como nos aquietarmos diante das possibilidades infinitas. Não sabemos como gerar bem-estar para o nosso corpo e a nossa mente. Estamos tentando garantir que nada de mal nos acontece. Precisamos, com urgência, de uma tábua de salvação.
A minha eu acabei de encontrar. Vou aproveitar os limites do meu corpo para me ajudar a reconhecer os momentos em que tenho que deixar a internet de lado e viver o que a realidade tem para oferecer. E você?