Pouco antes de fazer 20 anos, procurei um sábio senhor espiritualizado, que costumava aconselhar as pessoas nos seus processos da vida. Naquele período, sentia-me ansiosa para compreender mais sobre mim e sobre os mistérios da existência. Estava curiosa para saber o que ele teria para me dizer, pois tinha vivido muito e, certamente, já havia se perguntado o mesmo que eu. Foi quando veio a surpresa, ele não me deixou falar nada! A pergunta veio dele: quantos anos a filha tem? 20, respondi prontamente, e ele prosseguiu com apenas uma frase: mas pensa que tem 30 né?
Aquela pergunta silenciou minhas palavras e me fez refletir sobre tudo o que eu dava conta naquela época, era tensa e responsável ao extremo, e parecia que o seu comentário significava que eu poderia viver a vida de forma mais leve e despretensiosa. Recentemente, quando fiz 30 anos, essa conversa voltou a visitar meus pensamentos, mas agora com outro significado. Ao longo desses últimos 10 anos, aprendi que não é útil estar em uma fase da vida querendo viver outra. Os 20 estavam acabando, precisava reconhecer o que tinha aprendido com eles e o que me esperava na década dos 30.
Aos 20 anos batalhamos pela estabilidade profissional, aprendemos a conquistar, a alçar voo e a reconhecer alguns limites, os que podemos superar com esforço e os que precisamos aprender a conviver. Nesta idade parece que temos um passo a passo de conquistas: terminar a faculdade, fazer estágio, começar a trabalhar, fazer pós-graduação e, na vida pessoal, aprender a dirigir, viajar, fazer festa com responsabilidade, conhecer pessoas interessantes, namorar, casar.
Vivemos tudo com a sensação de que nunca vai acabar. Quando nos sentimos à vontade e seguros nesse trajeto, acabam-se os 20 e os 30 nos surpreendem, como se não soubéssemos que eles chegariam. Já não temos mais um roteiro como antes. Este é o desafio que a década dos 30 anuncia: como viver sem um roteiro pronto?
Os 30 anos vêm como uma avalanche de dilemas. O tempo passou, nosso corpo mudou, as responsabilidades cresceram. Parece que brota uma consciência repentina de que podemos fazer o que quisermos com nossa vida, mas as mudanças que o tempo e a experiência trouxeram para o nosso corpo e para nosso jeito de viver não permitem mais que nos enganemos, apesar de muitos tentarem ainda alguns anos década a dentro. Já aprendemos a reconhecer alguns riscos e a gerenciar certos desafios, não somos mais adolescentes inconsequentes.
Assim como um vinho, sentimos um sabor amadeirado da maturidade misturado com o sabor frutado da vivacidade da juventude e suas possibilidades. Já conquistamos uma considerável independência e, com ela, a responsabilidade de construir quem seremos amanhã. Diante de cada experiência nova, reflexões e significados, as escolhas aleatórias ficam cada vez mais raras; agora, mais do que nunca, estamos construindo o tom das nossas vidas. Onde quero morar? Porque aqui e não lá? Quero ter filhos? Se sim, é porque está estabelecido que devemos ter, ou porque quero de fato?
Percebo que a crise dos 30 sempre existiu na modernidade, com dilemas diferentes em outras gerações. Nas gerações passadas, os 30 eram marcados pela expectativa de constituir família e alcançar a estabilidade financeira. Recentemente, ao completar essa idade, as pessoas têm se questionado se querem ou não ter filhos e até onde querem ir com sua dedicação ao trabalho. Como harmonizar tudo o que há para viver nas 24 horas do dia? Há diferenças nos questionamentos, a tecnologia e a vida produtiva de hoje trazem um tom para os dilemas que questiona os padrões e valores morais das outras gerações. E mantém-se um eixo comum, já se passou no mínimo um terço da vida e o que eu faço com o tempo que me espera?
Aos poucos percebemos esse turbilhão de questionamentos. Seguido de escolhas que podem mudar o rumo da nossa vida. É exatamente o que significa estar vivo nesta década. Algo muda na consciência de si, já não escolhemos mais ao acaso, surge uma clareza das consequências e das responsabilidades. Já vivemos tanto e, no entanto, estamos começando a viver a partir de nós mesmos!
Perguntas e mais perguntas sem respostas que ninguém pode responder por nós. Isso me faz pensar que, talvez, o que aquele sábio tentou me provocar aos 20 anos era minha sabedoria interna para viver os desafios de cada fase da vida. Reconheci que a experiência dele se tornou mais valiosa quando despertou minha capacidade de escolher, e não por me dar respostas. Entrar na década dos 30 com consciência de si significa alimentar um guia interno que não aprendemos a consultar ao longo da vida.
Com os 30, algo muda na película pela qual vemos a vida. Aos poucos surge um conforto em estar em meio às incertezas, já que são exatamente elas que nos permitem escolher e criar cada realidade que vamos viver.
Algumas noções da vida se transformam, trabalhamos muito, mas não mais como um fardo, agora como uma oportunidade de concretizar a potência que sentimos. Aquilo que era longe pode parecer perto, dependendo do ângulo que se percebe. Assim como aquilo que era caro agora parece justo; o que era difícil, passa a ser possível; o que era indispensável agora pode ser substituído e adaptado. Nos relacionamentos nos interessa cada vez mais o que as pessoas são e menos o que aparentam.
É a idade da ampliação e da capacidade de reflexão. Podemos aprender a usar essa potência a favor do nosso desenvolvimento. Para isso, precisamos ter disponibilidade para reconhecer e interagir com nossa irritação pelo tempo ter passado “sem nos avisar” e com o medo de reconhecer que a vida na próxima década vai ter o tom que construirmos nesta. As angústias que vêm nos visitar precisam ser reconhecidas, assim como a oportunidade de superação que a década de 30 representa. A vida é um processo, podemos fazê-la acontecer com responsabilidade e leveza.
Talvez o maior desafio dos 30 não seja achar as respostas, mas aprender a fazer a pergunta certa para nós mesmos. E você, o que tem se perguntado?